A idéia de que os cristãos são peregrinos na terra abasteceu a hinódia da igreja com belíssimos cânticos, e vez que outra me surpreendo assobiando, cantarolando ou ouvindo ressoar lá no fundo de minha mente cânticos que falam da vida eterna e do céu. Aliás, cânticos que raramente são entoados nos modernos cultos congregacionais, e que a nova geração de crentes, convertida dos anos 1980 para cá desconhece.
“Sou peregrino na terra; e longe estou do meu lar”; “peregrinando, pelas montanhas”, “quando a viagem acabar”, etc. Muitos e belíssimos cânticos.
No Novo Testamento o conceito de que os discípulos de Jesus são peregrinos na terra veio com a primeira dispersão dos cristãos depois da perseguição movida contra os discípulos com a morte de Estêvão. O registro está em Atos 8. As epístolas apostólicas, a partir daí ensinam os discípulos a viver como peregrinos. Pedro escreve suas epístolas aos “forasteiros”, cristãos espalhados pela terra. “Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação (1 Pe 1.17). Tiago escreve aos judeus cristãos das doze tribos espalhados pelo império. Como escreveu o autor aos Hebreus “andaram peregrinos (…) errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra” (Hb 11.37-38).
E, de fato, séculos a fora os cristãos viveram como peregrinos na terra, perseguidos por sua fé. Ainda hoje em várias partes da terra cristãos há que por causa de sua fé na pessoa de Jesus vivem escondidos. São os peregrinos.
E, se um peregrino não tem pátria e cidadania, Paulo avisa os cristãos de Éfeso de que, neste aspecto, inda que vagando pela terra deixamos de ser estrangeiros e peregrinos, porque temos cidadania; somos “concidadãos dos santos” e somos da família de Deus (Ef 2.19). Portanto, mesmo forasteiros na terra, temos a cidadania dos céus.
Por outro lado, mesmo vivendo estabelecidos na terra, como vem acontecendo com a igreja brasileira, permanece o conceito de peregrinação, e nos damos conta disso quando chegamos à terceira idade. Como no cântico que o Oséias de Paula cantava: “Os anos se passam quais rios a correr, e a vida qual sonho a desvanecer”. Então, por que não voltar a entoar os cânticos de peregrinação?
Porque nesses últimos anos a ênfase dada em algumas igrejas é de que são cânticos de fuga; cânticos dos desesperados. “Quando se fizer a chamada lá estarei”. “Junto ao trono de Deus preparado; há cristão um lugar para ti” e cânticos semelhantes já não são mais entoados nos cultos, apenas em funerais! Os novos discípulos cantam rap e dançam; os antigos choravam e anelavam os céus. Quem sabe os cristãos se tornaram demasiadamente hedonistas, amando a terra e suas riquezas, por isso tais cânticos são uma afronta aos desejos de enriquecimento e de vida abastada aqui na terra. Esses são os contrastes que presenciamos nos dias de hoje.
Claro, entendemos que não fomos salvos para vivermos foragidos, perseguidos, andarilhos e errantes, mas para arar a terra, semear e ceifar; criar filhos e vê-los procriar, mas, mesmo assim semeando e ceifando ou tendo de vagar por cidades somos sempre peregrinos. Porque a vida é uma peregrinação que se inicia ao nascermos e termina com a morte. Talvez este último conceito inspirou os autores dos hinos que cantamos. Agora, deve-se entender que os jovens não pensam na brevidade da vida como os que estão vivendo lá pela casa dos setenta, oitenta anos de idade. Não é o meu caso.
No entanto, companheiros cantem os cânticos de peregrinação, porque tais cânticos abrem diante de nós os portais eternos cheios de glória e esplendor, e nos lembram de que a vida passa célere. Em breve, todos haveremos de nos deparar diante dos portões do céu!
Então, cantemos!