A igreja brasileira sob nova análise – Tendências dessa primeira década de 2010

Você que vem acompanhando meus escritos sobre a igreja, especialmente sobre igrejas nas casas, certamente se interessará pelo tema a seguir.

Houve uma época na recente história da igreja brasileira, cuja leitura é essa:

1. As pessoas eram expulsas ou saíam de suas congregações históricas (batistas, presbiterianas, metodistas, anglicanas, congregacional, e outras mais) e aderiam a grupos renovados, como batistas, presbiterianos, metodistas (que aceitavam as manifestações do Espírito Santo). A evasão das igrejas históricas, devido ao batismo no Espírito Santo desaguava nas igrejas renovadas que criaram novas convenções: Batistas da renovação; Presbiterianas renovadas e Metodista Wesleyana, cujo bispo já falecido, Jessé Teixeira de Castro era meu amigo.

2. Por essa mesma época, algumas pessoas que não queriam se afiliar a essas novas denominações renovadas, e por serem líderes natos, iniciaram em suas casas grupos de oração, ou grupos caseiros, formando alguma comunidade cristã nova. Vem daí a formação das comunidades no Brasil.

3. Essas comunidades cristãs espalharam-se pelo Brasil, a princípio sem nome, sendo chamadas apenas de comunidade evangélica, comunidade cristã ou igreja nas casas. Mais tarde, as comunidades cristãs se estruturaram com vários nomes e em vários segmentos. A partir da década de 1990 o nome “comunidade cristã” perdeu sua conotação original – muitos líderes achavam interessante o nome e colocaram esse nome em seus movimentos, seguindo, contudo, no mesmo padrão de onde saíram.

4. Dessas comunidades, autônomas e independentes, cada líder levantou sua bandeira, formou uma denominação sob sua liderança e se espalhou pelo Brasil, com programas de tevês, rádio, etc. Não se deve esquecer que os líderes dessas novas comunidades andaram juntos e se reuniram por mais de uma década, pelo menos duas vezes ao ano, para buscarem ajuda mútua. Participei e liderei ativamente de alguns desses encontros de liderança, inclusive em nível internacional.

5. Algumas dessas comunidades se estruturaram nacionalmente como a Sara Nossa Terra (lideradas pelo Robson Rodovalho, que se transferiu de Goiânia para Brasília, hoje deputado federal), a Fonte de Vida (do César Augusto que saiu de debaixo da liderança do Robson e fundou seu grupo-sede em Goiânia onde se intitula de apóstolo) e a Comunidade da Graça, que desde o início de sua fundação assumiu sua própria identidade sob a liderança de Carlos Alberto Bezerra. Vários outros líderes decidiram criar suas próprias estruturas e optaram por formar igrejas nacionais.

6. Outras igrejas ou comunidades criaram algum tipo de estrutura presbiterial ou apostólica, sem uma organização nacional aparente – pelo menos visível – e também se espalharam pelo país. Assim, a partir da forte liderança da comunidade cristã de Porto Alegre (os irmãos são conhecidos por esse nome, mas preferem dizer que são a igreja de Porto Alegre) formaram-se centros de lideranças de comunidades em Vitória, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo (Jundiaí). Perdoem-me se não cito outros nomes, porque todos saíram ou começaram seus novos grupos a partir da comunidade de Porto Alegre, que hoje se autodenomina igreja de Porto Alegre. Às vezes me pergunto se o nome Igreja “de tal cidade” é inclusivo ou exclusivo.

7. Paralelamente espalhavam-se pelo país novas igrejas ligadas a grupos neopentecostais com a visão de mega-igrejas em cada cidade, em direção oposta aos irmãos de “comunidades”.

Um pouco mais de quatro décadas depois, na virada do século, a igreja brasileira entrou noutra fase.

Já tratei deste tema na outra análise que fiz sobre a igreja brasileira que está em meu site:Observei que a partir da virada do milênio as igrejas tradicionais pararam de expulsar de suas igrejas pessoas que se diziam carismáticas ou devido ao batismo no Espírito Santo. As convenções, concílios, sínodos e presbitérios passaram a acatar em seu seio as igrejas renovadas, que já não mais migravam para os grupos e convenções que se formaram nas décadas de 1960-70 a partir das igrejas tradicionais. É possível ver hoje uma igreja Batista renovada liderando a Convenção Batista Nacional; uma Igreja Luterana renovada sendo aceita no mesmo sínodo, e assim sucessivamente.

(Ao perceber essa tendência na igreja brasileira, e com a visão de igreja e de corpo de Cristo que assimilei em meu espírito ao longo das gerações, entendi que o ministério que Deus me deu poderia ser realizado plenamente em todo o corpo de Cristo, e não apenas iniciando novas comunidades, que eu fazia com muito vigor. A propósito, as comunidades cristãs e meus amigos que juntos iniciamos comunidades em todo o Brasil não entenderam essa tendência do Espírito na igreja brasileira, não me compreenderam e seguiram seu destino, deixando-me à margem de seus projetos. Hoje sou mais acolhido com amor por aqueles irmãos denominacionais que no passado eu mesmo não os entendi, do que pelos pastores de comunidades cristãs que ajudei a iniciar).

Depois desse longo parêntesis voltemos ao assunto inicial.

O crescimento dos impérios religiosos representados pela Igreja Universal do Reino de Deus; da Igreja da Graça e recentemente da Igreja Mundial do Poder de Deus, que com práticas esotéricas enchem seus templos, aliado ao surgimento de pastores televisivos que pregam parte da teologia da prosperidade – especialmente na questão das riquezas e das finanças, saídos ou que fazem parte da maior denominação pentecostal do Brasil, a Assembléia de Deus, fizeram com que o quadro se tornasse nebuloso e imprevisível.

Explico. À luz desses últimos acontecimentos é possível detectar as seguintes tendências:

1. Em algumas cidades o povo se cansou da igreja e dos rumos que suas congregações tomaram.

2. Algumas igrejas sobrecarregaram o povo com seus métodos de crescimento que exigem frequência assídua a células, grupos, treinamento, relatórios e encontros – sem os quais ninguém pode assumir qualquer atividade na igreja local.

3. Outras sobrecarregaram o povo com uma liturgia – programa de culto – extensa e cansativa, em que o povo fica em pé horas a fio e ouvem sermões enormes, geralmente em torno de vitória, poder, mensagem de autoajuda, carregadas do espírito da pós-modernidade, em que a idéia de tribulação e de crucificação do eu na cruz é completamente descartada.

4. Algumas igrejas, especialmente as chamadas comunidades cristãs impuseram um discipulado rígido – bem além das exigências de Jesus – pois que exige submissão inquestionável ao seu discipulador. Método aceito por discípulos que não precisam buscar a vontade de Deus, pois que seus discipuladores são a voz de Deus para eles. Nessas igrejas o discipulado é rígido e dominador. Nem sempre aceito por todos.

5. Ainda outras igrejas possuem pastores, bispos e apóstolos que se consideram a voz de Deus para seu povo, em que, desobedecê-los implica em ficar sob maldição espiritual – quando não os amaldiçoam eles mesmos os que desafiam seu poder. Falo sobre isto em sete características de líderes de igrejas neopentecostais.

6. Os irmãos começaram a se cansar dos métodos e das tentativas de mudança que os líderes sempre impunham – saindo de um método, buscando outro; andando daqui pra lá sem uma visão clara e específica para a igreja.

7. Cansados dos escândalos nacionais, da dinheirama que tais pastores levantam gerando um enriquecimento rápido – tanto pelos pastores neopentecostais como alguns oriundos das Assembléias de Deus – essa parte da igreja parou para refletir seu destino e seu rumo.

8. Assim, cansados de cultos com pregações megalomaníacas, com louvor demorado, com cânticos incantáveis sem uma melodia clara; cansados das imposições, e das ameaças espirituais, de métodos cansativos, de discipuladores e discipulado dominadores, os irmãos começaram a buscar alternativas espirituais, correndo o risco de cair em braços de falsos líderes. Com isto a igreja brasileira abriu os flancos por onde saem pessoas desorientadas, em busca de opções espirituais e de um pastoreio que lhes atenda as necessidades.

Resumindo, as pessoas estão deixando as congregações que exageram na autoridade, que possuem pastores dominadores e cujo louvor é extremamente mântrico e prolongado, e estão contribuindo para dois novos fenômenos:

1. Voltando para as igrejas históricas.

a) Milhares de pessoas estão migrando ou retornando para igrejas históricas, especialmente para as igrejas que renovaram sua liturgia, trazendo para seus cultos o antigo e o novo; os hinos antigos e os novos cânticos, isto é, que fizeram uma renovação litúrgica. São igrejas abertas ao novo, mas que preservam o que de melhor existe das tradições antigas, como corais, orquestras e cânticos dos hinários.

b) As pessoas também migraram para denominações históricas porque seus pastores trazem mensagens bíblicas, fundamentadas nas escrituras, e não conforme a moda reinante entre pregadores. As pessoas migraram porque querem ouvir pregações bíblicas, em que a palavra de Deus tem a primazia, fugindo rapidamente das igrejas que gostam de convidar e de ter preletores “sapatinhos de fogo”, sem substância doutrinária.

c) Também, porque ainda existe algum tipo de pastoreio e cuidado pastoral em algumas dessas denominações.

d) Observe que a migração para igrejas históricas é grande, porque essas igrejas mantêm seus bons corais, orquestras, bandas, conjuntos, escolas bíblicas dominicais, cultos ordenados e reuniões de ceias solenes, e ultimamente um programa dirigido especialmente às famílias.

Os pastores que perceberem essa tendência obterão lucro com essa migração, porque os que procuram tais igrejas são pessoas sinceras, cultas e boas que, cansadas andam à cata de uma igreja mais ordenada e com boa programação espiritual e educacional para eles e seus filhos.

2. O segundo fenômeno é o da migração para reuniões caseiras.

a) Certas pessoas estão se retirando de suas igrejas, ficando em casa, desorientadas à procura de uma liderança que as conduza ao caminho certo. Geralmente encontram outros irmãos desiludidos com suas igrejas, e, duas ou três famílias formam um grupo caseiro, cuja duração é pequena, porque, quase sempre, ao final, acabam por aderir a algum grupo maior que usa as técnicas de controlar grupos e células nas casas. (Existem ministérios que só cuidam de igrejas nas casas, sem uma organização, geralmente em torno de um líder forte).

b) Esses irmãos decidem que ficarão em casa, se reunirão para orar e estudar a palavra de Deus, distribuem a ceia entre si, e contribuem financeiramente aqui e acolá, geralmente ajudando os pobres e necessitados com seus dízimos.

c) Em ambos os casos a mortalidade tem índices elevados, isto é, caso não se associem a um líder carismático e organizado que lhes entenda, esses pequenos grupos morrerão prematuramente. A tendência de migrar para uma reunião caseira tem duas consequências: (1) A formação de pequenos grupos independentes que não se submetem a qualquer tipo de autoridade – visto que viviam presos ao excesso de autoritarismo – cujo fim é rebeldia e rancor e (2) a morte por asfixia de famílias inteiras desiludidas com a igreja, perdidas, sem rumo e sem direção. Tais pessoas se contentarão em ouvir CDs e DVDs e a criticarem certos programas televisivos. Ao fim e ao cabo se sentirão desamparados e desanimados na fé.

d) De qualquer maneira, percebe-se que essas duas tendências são fortes e deveriam ser motivo de estudo e de reflexão entre os líderes da igreja.

Voltarei ao tema, algum dia, quando perceber novas tendências da igreja brasileira.

8 thoughts on “A igreja brasileira sob nova análise – Tendências dessa primeira década de 2010

  1. Amado irmão, a Paz do Senhor Jesus
    Li com atenção o seu artigo. Vejo que o irmão captou com perfeição o que tem ocorrido com a igreja chamada evangélica. Deus o bençoe. Meu blog é: presbiteroivo.blogspot.com

  2. Graça e Paz,

    Congrego na Assembléia de Deus, sou simpático ao “movimento” de Igrejas nas casas. Acredito que é uma porta aberta para sairmos da religiosidade, e na minha opinião ,a coisa mais lúcida que a Igreja pode fazer neste sentido hoje é retornar à simplicidade do cristianismo-familia, nas casas. Porém o problema , independente do local de reunião, seja no Templo ou em casas, é que Jesus não tem sido o Centro e o Alvo da Igreja. Jesus tem ficado na circunferência, tem sido o meio pelo qual impérios com mentalidade mundana com nome de Igreja tem crescido, mas ELE mesmo não é o Centro.

    Deus te abençoe !

    Fábio

  3. Pastor João. Em meu bairro está acontecendo exatamente o que o senhor colocou em sua explanação. Muitas (muitas mesmo) pessoas desviadas, machucadas e feridas. Gente boa, sedenta pela palavra, que se recusa a frequentar qualquer igreja, justamente pelas experiências dolorosas que viveram. Como buscar essas pessoas para Cristo novamente?

    1. Leo: Faz-se necessário que alguém chamado por Deus se dedique a essa tarefa árdua de ajudar e fundamentar esses cristãos perdidos. São pessoas que querem servir a Deus e segui-lo, mas entendem que é difícil seguir a certos líderes…

  4. Caro Pr. “Joazinho”.

    Não sei bem como é a realidade aí no sul, mas aqui no Estado do Rio e mais especificamente em Resende, onde sou pastor metodista (e a metodista no estado do Rio é muito “avivada”), há o fênomeno de pequenas portinhas sendo abertas quase que como mato. Coisa que não percebi em Porto Alegre na minha ultima visita.No complexo de bairros onde pastoreio (abrangendo 55 mil habitantes) há uma média de 02 igrejas por rua!!!(em alguns casos de quatro a cinda portinhas na mesma rua) Poderíamos louvar a Deus por isto, né? mas não, em sua grande maioria formadas por irmãos indisciplinados, de péssimo testemunho, que não aceitam a sã doutrina e que desejam igrejas onde se autosatisfaçam.

    algo que não percebi em sua análise é que as pessoas estão cansadas do distanciamento existente em algumas denominações constituidas por megaigrejas, onde o pastor/lider se coloca completamente distante, fazendo com que as pessoas migrem para igrejas mais tradicionais (e consequenteente menores) onde o pastoreio é realizado em maior proximidade.

    abraços,

    Nilton

    1. Nilton. Entendi o que você quis dizer. Este fenômeno das “portinhas” é maior noutros lugares que aqui no RS. E a maioria desses “pontos de pregação” são frutos de pastores que não querem se submter a autoridade alguma, seja ela eclesiástica ou uma autoridade espiritual. Acho que agora, por chegarmos a 2012 vou precisar refazer ou aumentar a minha análise de igreja. Tem sugestões pra me dar? Escreva diretamente para mim: pastor.escritor@terra.com.br

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