A igreja é uma comunidade de remidos regida por um único estatuto: as Escrituras sagradas; o que a torna autônoma e independente das leis do Estado em assuntos espirituais. Em hipótese alguma a questão de disciplina e exclusão deve seguir regras humanas estatutárias, afinal os estatutos de igrejas deveriam ser usados apenas para reger a vida administrativa da igreja – finanças, propriedades e bens gerais – enquanto as Escrituras regem a vida espiritual de seus membros. Por não fazer essa diferença muita confusão e problemas são causados no seio da igreja. Misturam-se organismo com organização. Apesar de intimamente ligados, o organismo prevalece sempre sobre a organização. Descrever nos estatutos como deve ser a vida da igreja é submetê-la aos acórdãos legislativos do Estado, pincelados por mãos humanas, até atéias.
Na igreja Deus coloca autoridades, presbíteros e bispos – pastores é o termo mais comum dado ao líder que está à frente da igreja. A autoridade na igreja é espiritual, isto é, emana de Cristo aos líderes que ele levanta e os coloca à frente da igreja. Em nenhum momento do Novo Testamento a vida espiritual da igreja se submetia às demandas de César, mas de Cristo. Até mesmo nas questões sociais a igreja passou a viver de maneira diferente. O relacionamento com o Estado era limitado às leis romanas que regiam os interesses de Roma, mas, sempre que esses interesses conflitavam com a nova sociedade, os apóstolos ensinavam a igreja a seguir o estilo de vida instituído por Cristo e por eles.
Assim, Jesus Cristo deixou orientações tratando da ligação e do desligamento de um membro da igreja, e Paulo, seu grande apóstolo nos deixa exemplos de como procedeu com pessoas hereges e com os que viviam em pecado manchando o bom nome de Jesus Cristo.
A disciplina se faz necessária para que o nome de Jesus Cristo não seja ultrajado e mal-falado. Os apóstolos deixaram orientações conhecidas como “doutrina apostólica”, ou a didaquê. A doutrina dos apóstolos tratava do relacionamento dos cristãos entre eles, do relacionamento do cristão com seu Mestre, do relacionamento patrão/empregado, empregado/patrão; marido/ mulher, pais e filhos e do relacionamento com os governantes da cidade.
Mas não vou tratar neste artigo a questão da doutrina apostólica, assunto que comento com maior propriedade em dois de meus livros: Forças Ocultas e É Tempo de Guerra e que o leitor pode consultar em meu site. Em batalha espiritual, você encontra o artigo em que falo dos “Quatro elementos importantes na igreja primitiva”.
I. O que Jesus falou sobre o relacionamento entre os irmãos da igreja (Mt 18.15-20).
Primeiro passo: Procurar a pessoa e confrontá-la pessoalmente. “Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão”. Existem pessoas que não gostam de ser confrontadas e outras que não gostam de confrontação. Algumas se ofendem quando é procurada para esclarecer um mal-entendido ou um pecado e outras pessoas, inda que prejudicadas fogem de qualquer confronto, dizendo “deixa pra lá!”. Ambas erram. Jesus ensinou que o melhor caminho é o da reconciliação. Qualquer mal-entendido é desfeito, e qualquer erro é perdoado e reparado. Quando isto acontece entre duas pessoas, o assunto morre ali mesmo.
Segundo passo: Caso não haja acordo e a pessoa ofensora não quiser se retratar ou se negar a reconhecer o erro ou pecado, deve-se voltar ao indivíduo com duas testemunhas. “Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça.” Este segundo passo deveria deixar o ofensor envergonhado, porque agora outras pessoas são chamadas a se envolverem com a questão em juízo. E, caso o ofensor ainda se negue a qualquer ajuste, remissão ou perdão, Jesus ensina a tomar um terceiro passo.
Terceiro passo. Levar o assunto ao conhecimento da assembléia, isto é, dos irmãos membros da igreja. “E, se ele não os atender, dize-o à igreja.” Agora o assunto toma uma dimensão maior, porque o elemento ofensor tem que esclarecer o fato perante toda a igreja. Não são mais duas ou três testemunhas, mas às vezes centenas delas que ficarão sabendo do ocorrido.
Quarto passo. Em última instância, casso o ofensor não se arrependa – e quando digo ofensor estou tratando de pessoas que ofendem o Nome de Cristo, são caluniadoras, vivem em pecado e mancham a “doutrina de Deus”, devem ser afastadas da assembléia, isto é, da igreja. “Para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados” (1 Tm 6.1).
Esse quarto passo na correção e disciplina de ofensores não vem sendo mais colocado em prática, porque se perdeu a noção de quem é quem na igreja, isto é, quem na realidade é membro da igreja local. Nem sempre alguém que tem uma carteirinha de membro é, de fato, membro; às vezes é apenas sócio da igreja/clube. Em alguns grupos são milhares de membros e estes sequer têm conhecimento dos fatos, porque todos vivem alienados da vida comunitária freqüentando as reuniões apenas por religiosidade e não por compromisso com seus irmãos e com o Nome de Cristo. Mas também se perdeu a noção de autoridade. Quem é autoridade na igreja?
Então, deve-se buscar uma via alternativa que represente toda a igreja. Às vezes isto é feito com o ministério da igreja local – pastores e líderes da igreja local – para que não seja mal-entendido pelo indouto, do novato e do descrente que costumam esquentar bancos de igrejas. Mas, a disciplina tem de ser levada a sério.
Jesus fala em afastamento total. Quando a igreja leva a sério a doutrina apostólica e zela pela sã doutrina de Deus, a última instância é entre a igreja e Deus. “Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus.”. A igreja, então, como agente de Deus e do Reino na terra transfere o assunto para o supremo tribunal dos céus, isto é, entrega ao juízo de Deus. Jesus deu à igreja o poder de ligar e desligar; amarrar e desamarrar, e o texto aqui se refere à disciplina ou ao mesmo assunto que começou no versículo 15. A igreja diz: “Senhor, nosso irmão não quis ouvir nem aceitou se retratar e perdoar, nem mesmo ouviu a igreja. Essa pessoa está manchando a sã doutrina e desonrando o teu santo nome na sociedade, portanto, nós a desligamos da igreja” – e obviamente a pessoa é desligada do rol de membros celestiais até que se arrependa.
E tal pessoa pode até mudar de congregação, ter outro cartão de membro, associar-se a outra comunidade da fé na cidade, mas estará afastada do corpo até que se arrependa totalmente. Portanto, deve haver muita gente membro de igreja que trocou de congregação porque estava em pecado e não quis se arrepender, desligada do céu, mas crendo e iludindo a si mesma que está tudo bem!
À igreja local é concedida autoridade de julgar os irmãos que vivem em pecado e que estão manchando o bom Nome de Cristo na cidade. Até mesmo o líder, como orienta Paulo em 1 Timóteo 5.19. “Não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas. Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam”.
Paulo aplicou este tipo de disciplina em membros da igreja usando da autoridade que Cristo lhe concedeu.
Primeiramente, ao tratar da reunião da ceia, o encontro da koinonia ou comunhão dos irmãos com Deus e com seus pares, Paulo fala em condenação trazida diretamente de Deus à pessoa que se assentar à mesa da comunhão em pecado. O texto de 1 Coríntios 11 precisa ser revisto por muitos pastores e crentes:
“Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem. Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (1 Co 11.27-32).
Paulo fala de irmãos que vivem fracos, doentes e de alguns que dormem. E aqui não se trata de fraqueza, doença ou morte espiritual, trata-se evidentemente de fraqueza, doença e morte física. Porque, sempre que abordava a questão da morte, Paulo falava em “dormir”, ou “os que dormem no Senhor” referindo-se à morte física. Veja os textos que falam de morte e em que Paulo usa a palavra dormir (1 Co 15.6; 1 Ts 4.13-15, etc.).
Ele pede, então, que nos julguemos a nós mesmos para não sermos julgados com o mesmo critério que Deus julga o mundo. Os crentes são “disciplinados pelo Senhor”, mas os que não levam a vida cristã a sério serão julgados por Deus com os critérios que ele julga os não-cristãos. E, é preciso deixar claro que nesta questão da ceia o juízo nem precisa ser dado pela igreja; ele vem diretamente de Deus!
Tiago parece complementar a afirmativa de Paulo, pois ao tratar da unção com óleo para cura da enfermidade, afirma: “E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg 5.15-16).
Reflita sobre a afirmativa de Tiago: o enfermo deve confessar seus pecados para ser curado – e aqui se refere ao cristão, ao irmão em Cristo. Certas enfermidades físicas são curadas depois que a pessoa confessa seus erros e seus pecados. O que implica afirmar que a enfermidade é fruto de algum pecado, e não uma casualidade, um problema físico comum ou normal que costuma acontecer com a deterioração de nossos órgãos à medida em que envelhecemos.
II. As recomendações de Paulo sobre como proceder com os impuros (1 Co 5.3-5, 9-13 e 2 Co 2.5-11).
Paulo ficou sabendo que na igreja de Corinto havia um membro que manteve relações sexuais com a esposa de seu pai – obviamente que não era sua mãe. Paulo exortou os líderes por não haverem “tirado” do meio da igreja “quem tamanho ultraje praticou” (1 Co 5.2).
Que autoridade apostólica a de Paulo a ponto de ordenar no mundo espiritual que o tal pecador fosse entregue a Satanás para a destruição do corpo a fim de que o espírito fosse salvo no Dia do Senhor.
“Eu, na verdade, ainda que ausente em pessoa, mas presente em espírito, já sentenciei, como se estivesse presente, que o autor de tal infâmia seja, em nome do Senhor Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Senhor, entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus” (vv 3-5). O ultrajador deveria ser tirado do meio da igreja, o que normalmente não é feito nos dias de hoje. “Não está certo que vocês estejam orgulhosos! Vocês conhecem aquele ditado: “Um pouco de fermento fermenta toda a massa.” Joguem fora o velho fermento do pecado para ficarem completamente puros” (vv 6-7).
Um irmão em pecado no meio da igreja é como um mau fermento que contamina a massa, o corpo de Cristo. O fermento age silenciosamente e penetra toda a massa, isto é, afeta a todos no corpo de Cristo.
1. O que é entregar alguém a Satanás?
É usar da autoridade concedida por Jesus desligando a pessoa espiritualmente da igreja. Tem muita gente com cartão de membro que já foi desligada espiritualmente. Na realidade, basta fazer com o crente insubmisso e rebelde que não quer reconhecer seu pecado o que Jesus ensinou: Entrega-se a pessoa em oração ao dono da igreja – Jesus – e ele será automaticamente desligado no mundo espiritual. Duas vezes Paulo fala sobre isto. Ao fazer isso a pessoa é “… entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus” (1 Co 5.3). Paulo diz: “E dentre esses se contam Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem” (1 Tm 1.20). Possivelmente Paulo possuía um jeito especial de entregar uma pessoa ao diabo que desconhecemos, mas entendemos que basta a igreja desligar tal pessoa no mundo espiritual, tirar de sobre ela a cobertura de autoridade, e desprotegida será alvo de Satanás que tocará seu corpo, mas não seu espírito – que será salvo.
É um assunto extremamente delicado, mas que deve ser encarado com seriedade e coragem. Paulo orientou os irmãos quanto a maneira de tratar o “sujeito” que se prostituía com a mulher de seu pai:
“Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo. Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais. Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor” (1 Co 5.9-13).
Até mesmo os preguiçosos tinham que ser tratados pela igreja de maneira severa (2 Ts 3.6). Falando a respeitos dos irmãos que não queriam trabalhar, Paulo orienta que os irmãos devem se afastar dos que andam desordenadamente. E, para Paulo, não querer trabalhar era viver em desordem! “Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição que de nós recebestes; pois vós mesmos estais cientes do modo por que vos convém imitar-nos, visto que nunca nos portamos desordenadamente entre vós, nem jamais comemos pão à custa de outrem; pelo contrário, em labor e fadiga, de noite e de dia, trabalhamos, a fim de não sermos pesados a nenhum de vós…” (1 Ts 3.6-8).