Vinte anos atrás em minhas pregações pelo Brasil antecipei, com base na palavra de Deus e no quadro social de então, que se a igreja não cuidasse da geração de crianças, isto é de seus pequenos, das crianças de ruas e de suas famílias, que aquelas crianças, vinte anos depois, nos aprisionariam em nossas casas. E isto de fato aconteceu. Criamos os Marcolas e os Beiras-mares que controlam, das prisões, a sociedade. Na ocasião eu me sentia confortável e seguro residindo num condomínio com quatro prédios de nove andares cada, sem muros e grades, cercados apenas de hibiscos multicores que formavam um cinturão de cerca viva. Vinte anos depois todos os condomínios e as casas em que vivemos estão cercados por altas grades e cercas elétricas que sequer intimidam os delinqüentes. Eles são as crianças de rua de vinte anos atrás!
Pergunte a um sociólogo (a) sobre a escalada da violência e estes, por certo, apontarão a pobreza como a principal causa geradora. No entanto, nasci e me criei em extremada pobreza. No meu primeiro ano escolar ia todos os dias pra escola descalço por não ter um par de sandálias. No meu segundo ano ganhei uns tamancos e logo o projeto social do prefeito (que era Leonel Brizola) nos deu um par de alpargatas e um poncho para o frio. Mas a extrema pobreza não nos arremeteu ao vício, ao roubo e à delinqüência. Nem nos transformou em assassinos. O evangelho de Cristo resgatou nossa dignidade. Lutamos e melhoramos de vida. Com 17 anos fui para o seminário teológico. Aos vinte e três anos já havia superado a miséria e residia na Califórnia convivendo lado a lado com os ricos americanos. Não aceito, pois, que se atribua à pobreza a causa da violência. A violência, senhores, é fruto da quebra dos princípios cristãos e da ordem familiar, o resultado do péssimo exemplo de nossas autoridades políticas. É fruto de uma má distribuição de riqueza, que também se constitui em si uma prática não-bíblica.
Quando uma nação e seus líderes abandonam os princípios cristãos, a sociedade que é baseada na família se desintegra.
A deterioração da família leva à queda moral da nação. A imoralidade sexual e a libertinagem são parte do mesmo quadro da imoralidade social, como a mentira, a fraude e roubos aos cidadãos, de que somos vítimas nesta nação.
Perdem-se os valores morais e éticos, especialmente os que nos foram legados pelo cristianismo, e o resultado é logo visto em nossas cidades.
A igreja que deveria ser a guardiã dos princípios cristãos abriu mão de sua pregação sobre ética e moralidade paparicando seus políticos, evangélicos ou não, na busca de reconhecimento e status social, partilhando da impunidade administrativa e do enriquecimento ilícito. Que belo papel fizeram os pastores e políticos que compõem a tal “bancada evangélica”. Esses homens que deveriam ser exemplos de integridade, e que em seus discursos costumam usasr o exemplo do José e do Daniel da Bíblia para evocar sua vocação política, diferentemente dos homens bíblicos, corromperam-se com os políticos ímpios e mundanos. Pelo menos o José da Bíblia governou para Faraó e não defendeu um novo reino no Egito, e Daniel costumava exortar os reis a viverem uma vida de integridade e de justiça social. E por ser fiel, foi lançado numa cova com os leões. Nossos políticos temem a cova, porque sabem que o anjo só se põe ao lado de quem é fiel e fecha a boca dos leões.
A bandeira da fé timidamente erguida pelos políticos evangélicos está rota e ensangüentada, e seu desgaste não é fruto da guerra nem da luta contra os inimigos; o sangue manchado da bandeira da fé é dos justos que eles pisam com suas promessas eleitorais.
A violência em nossa nação não é pontual, isto é, localizada, mas geral e estrutural. Geral, porque não existe mais um lugar seguro para se viver na nação, e estrutural porque as estruturas que sustentam nossa sociedade são iníquas, desde a base, do povo até os mais altos escalões de nossos cidadãos. Nesta nação perderam-se os valores referenciais de salário. Reclama o que ganha o salário mínimo e reclama também o que ganha vinte mil reais por mês! Perderam-se os valores jurídicos, da economia e da política, que foram substituídos pelos princípios de governabilidade questionáveis inspirados em Maquiavel.
Esta violência, sim, é gerada, conscientemente ou não por parte dos altos privilégios que têm os que desprezam o pobre e os aposentados do INSS – sim porque os que se aposentam por outros meios conseguem viver dignamente, enquanto os do sistema previdenciários são achacados pelo governo – o mesmo governo que deixa escorrer pelos ralos da má administração o dinheiro arrecadado dos impostos, em fraudes, subornos e enriquecimento pessoal.
O Brasil precisa resgatar os valores morais e éticos que o cristianismo do Novo Testamento legou. Precisa recompor a moral criando leis justas para ricos e pobres e pessoas de todas as raças que aqui buscam se abrigar. Uma nação que se deixa corromper não poderá deter a queda final da estrutura familiar, o que vem resultando em crianças sendo adotadas por parceiros (as) do mesmo sexo, que é um terrível sintoma da derrocada da família. Lentamente o declínio se deu pelo divórcio por qualquer motivo, corrompeu-se para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, abandono dos filhos e aborto desaguando na desgraça familiar. O clamor desta situação aparece todos os dias em nossos gabinetes pastorais. Como existirá família com papais e mamães do mesmo sexo? Que se volte ao princípio de que o lar é constituído de macho e fêmea!
O Brasil precisa também de uma reforma espiritual na igreja. Grande parte deste universo visível que se conhece como igreja, desde muito tempo deixou de sê-lo. Os mercenários transformaram o espiritual em material, explorando aqueles que deveriam defender das garras do diabo. A igreja precisa voltar aos princípios ensinados por Jesus e seus primeiros apóstolos, e refletir a necessidade de uma reforma espiritual que resulte numa mudança na política e na economia da nação.
No Antigo Testamento os profetas denunciavam os governos e os pecados do povo, especialmente da nação de Israel que se considerava a guardiã das leis divinas. Era esse senso profético que esperávamos de nossos políticos: que denunciassem a iniqüidade, o roubo e as falcatruas governamentais. Não podemos negar que, em parte, alguns desses políticos ditos “evangélicos” foram profetas, só que incorporaram a figura profética de Balaão amando a recompensa e o suborno. E pior, mancharam com suas práticas a vida de alguns políticos evangélicos que não se deixaram contaminar (que a verdade venha à tona sobre os justos e injustos)! No entanto, estes, como denunciou o profeta Oséias, “amam apaixonadamente a desonra” (Os 4.18). Ou como sentenciava Amós: “… exploram os pobres e cobram impostos injustos das suas colheitas. Eu sei das muitas maldades e dos graves pecados que vocês cometem. Vocês maltratam as pessoas honestas, aceitam dinheiro para torcer a justiça e não respeitam os direitos dos pobres. Não admira que num tempo mau como este as pessoas que têm juízo fiquem de boca fechada!” (Am 5.11-13).
As palavras do profeta Jeremias parecem tão atuais: “Com lágrimas se consumiram os meus olhos, turbada está a minha alma, e o meu coração se derramou de angústia por causa da calamidade da filha do meu povo; pois desfalecem os meninos e as crianças de peito pelas ruas da cidade. Dizem às mães: Onde há pão e vinho?, quando desfalecem como o ferido pelas ruas da cidade ou quando exalam a alma nos braços de sua mãe”.
Se pelo menos parassem de discursar para orar, como orienta o profeta: “Levanta-te, clama de noite no princípio das vigílias; derrama, como água, o coração perante o Senhor; levanta a ele as mãos, pela vida de teus filhinhos, que desfalecem de fome à entrada de todas as ruas” (Lm 2.19). Nossas crianças desfalecem, não apenas nas ruas, mas nos lares desfeitos e esfacelados das famílias que abandonaram os preceitos cristãos. Que tristeza ver cenas de meninos e meninas tarde da noite mendigando nos semáforos de nossas cidades! Políticos cristãos: Voltem seu coração para Deus e chorem pela desgraça de nossas crianças. Usem dos recursos púbicos para ajudar os pobres e necessitados.
A igreja é também a grande culpada pela violência estrutural, pois não tem amparado o pobre, usando das contribuições financeiras na construção de mega-igrejas, mega-templos e mega-denominações, pensando com isto agradar a Deus. Aquele que é adorado em “espírito e em verdade” prefere ser adorado por corações contritos e dispensa os muitos sacrifícios. Se os tais vinte e cinco milhões de crentes pentecostais cumprissem com os mandamentos de Jesus praticando a justiça social e as boas-obras, não haveria crianças nas ruas, nem pessoas vivendo dos lixões, porque além de pregar a transformação do indivíduo – o que raramente se ouve nos atuais programas de televisão – socorreria com bens materiais os mais necessitados e afligidos pela pobreza.
Uma bancada evangélica jamais deveria cooptar com governos injustos. O casamento da igreja com o governo é a pior das prostituições. Andar de mãos dadas com o poder tem sido a grande tentação da igreja no decorrer dos séculos, calando a voz profética do povo de Deus.
No passado, Sodoma e Gomorra acumularam muita transgressão – não apenas moral e sexual. Ezequiel apresenta outra dimensão ao pecado daquelas cidades, afirmando que estas cidades cometeram a pior das imoralidades: o desprezo pelo pobre. “Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão e próspera tranqüilidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre e o necessitado” (Ez 16.49). A decadência sexual é fruto de um problema maior: orgulho, fartura e desprezo pelos pobres. O pecado destas cidades foi o da omissão de socorro, porque não ajudaram os mais necessitados.
Esta também foi a advertência de Daniel a Nabucodonosor: “Ó rei, aceite o meu conselho. Deixe de pecar e faça o que é certo; acabe com as suas maldades e ajude os pobres. Assim talvez o senhor possa continuar a viver em paz e felicidade” (Dn 4.27 NTLH).
E como se não bastasse o pecado da igreja, levantam-se nesta nação novos líderes religiosos, pastores e apóstolos da prosperidade que riem e zombam da miséria do pobre transformando-se, eles próprios nos Nabucodonosores do império religioso e da exploração social.
O que dizer? Os membros das igrejas estão calados diante de tanta prostituição espiritual. E colheremos, nos próximos vinte anos, se não mudarmos de atitude, o que estamos semeando nestes dias. Quanto mais uma nação se afasta de Deus, mais próximo de sua desgraça estará.
Esta alienação da igreja permite que todo movimento feito para a melhoria da população seja feita sob a ótica ateísta. Por exemplo, o clamor pela reforma da terra tem sido feito sob uma ideologia não cristã, quando são os valores judaico-cristãos a base da distribuição da terra. Reforma agrária é bíblico e a igreja deveria participar dela. A igreja vem sistematicamente se omitindo desta luta. Esta alienação social da igreja abriu brechas para o governo, que por anos a fio não tem mais nenhum plano de habitações populares, gerando as grandes favelas de nossas cidades. O pouco que tem sido feito por prefeitos e governadores nesta área assemelha-se a um pouco de água num balde para apagar um grande incêndio. Nosso silêncio permite ao governo a manutenção de um sistema de Previdência Social que oprime os aposentados e pensionistas deixando-os cada vez mais pobres. Pobres e nervosos; gente que ainda haverá de se levantar em busca de seus direitos.
Com a palavra os políticos evangélicos. Com a palavra os novos candidatos a cargos eletivos que sobem aos púlpitos nestes dias à cata do voto dos crentes. Pois, afirmamos que existem políticos não crentes com melhor testemunho de vida do que alguns dos evangélicos nas várias esferas de governo.
“Nossas perspectivas são terríveis e os sintomas agravam-se a cada dia. Existe uma torrente de maldade na terra que traz destruição e miséria. Os jovens nascidos e criados em tempos tão perversos, sem qualquer noção do bem e sem qualquer princípio e sem uma opinião instilada, quando atingirem a idade adulta, serão verdadeiros monstros. E devemos temer que a geração dos monstros não demorará a chegar”.
Estas palavras parecem atuais, no entanto, foram escritas pelo bispo George Berkeley ao Parlamento inglês em 1738.