Sob o tema, Resgatando a Dívida Social da Igreja com a Cidade, um grupo de pastores e líderes de diversas igrejas de Porto Alegre se reuniu no mês de março na Chácara Bet-Shalom para refletir, orar e discutir a questão social e seus desafios para a igreja.
Isto porque a igreja da cidade de Porto Alegre tem uma dívida social que precisa ser paga, isto é, a igreja além de levar a mensagem de transformação para as pessoas, transformando-as e libertando-as de dentro para fora, transformando-as em filhos e filhas de Deus, precisa estender seu braço de misericórdia socorrendo os mais necessitados.
A primeira coisa que vimos na conferência é que Deus tem um interesse especial pelas cidades, porque nos grandes conglomerados humanos reside todo tipo de pessoa, dos mais pobres aos mais ricos; dos menos abastados aos mais aquinhoados financeiramente. Nem todos os que menos possuem e vivem no substrato social escolheram viver assim, mas porque circunstancialmente nasceram ou foram jogados lá. E a todos Deus quer alcançar, porque a todos ele ama. Ele ama o rico e o pobre, o negro e o branco, e não faz acepção de pessoas.
A segunda coisa que vimos é que as cidades são locais de conflitos em que as forças do mal – leia-se, forças de Satanás – e as do bem lutam pelo controle das cidades e isto pode ser representado por duas cidades bíblicas, Babilônia e Jerusalém. Babilônia é sempre apresentada como a cidade do orgulho, rica e cheia de vaidade, aquela em que o homem domina dispensando a ação de Deus. Desde seu início, Babel – de onde se originou Babilônia – foi fundada para mostrar a força e pujança do homem, que dispensa a ajuda divina. Nos tempos modernos representada pelo espírito do positivismo ateu que quer mostrar os feitos do homem, acima de tudo e de todos, nem que seja à custa da morte de milhões de pessoas.
Jerusalém é a figura da cidade divina, em que leis justas e claras são vividas e obedecidas pelos governantes e por seus habitantes. A Jerusalém bíblica é modelo da cidade em que todos os habitantes gozam de assistência de saúde, os velhos, órfãos e crianças são protegidos e cuidados, e em que todos têm direito a um pedaço de terra para plantar e direito a habitação.
Em terceiro lugar observamos que forças do mal costumam seduzir os governantes bem-intencionados, e estes, sem que percebam podem transformar uma Jerusalém onde existe direitos para todos, em Babilônia; isto é, a cidade originalmente fundada sobre os pilares da justiça e da equidade social, dependendo do governante que tem cai nas mãos dos adversários de Deus. Resultando daí a falta de moradia, de emprego, com crianças, jovens e velhos dormindo pelas ruas e o conseqüente aumento da violência em todos os setores da sociedade.
E parte da culpa de Porto Alegre ter milhares de pessoas dormindo e perambulando pelas ruas; mendigos e jovens carentes buscando recursos fazendo malabarismos junto aos semáforos é da igreja. Porque a igreja tem se preocupado mais consigo mesma do que em levar adiante sua missão salvadora e resgatadora da sociedade. A salvação que Deus oferece ao homem não apenas o liberta interiormente, mas alivia o indivíduo das algemas da escravidão e da exploração social. E a igreja deveria estar atenta lutando pelos direitos dos pobres e necessitados, no entanto, em vez de levar adiante sua missão como propósito de sua existência, voltou-se para si mesma, canalizando os recursos espirituais e financeiros para seu próprio bem-estar.
Os governos, tanto em nível municipal, estadual ou federal têm muito dinheiro, mas como a igreja, usam o dinheiro para outras coisas, menos para sua principal missão. Bom número dos que foram colocados para fora do Hospital São Pedro encontraram refúgio na Sociedade Emanuel. Quando ouço a expressão “falta vontade política”, traduzo como: “os agentes do mal não querem o bem da sociedade”.
Quando a igreja não ampara os mais necessitados, perde sua finalidade, pois passa a se preocupar consigo mesma, com a manutenção de seus lugares de adoração tendo que mendigar recursos para enviar missionários e para ajudar os pobres. Deveria jamais esquecer o exemplo de seu líder, Jesus, que “sendo rico se fez pobre por amor de nós”. A igreja inverteu este papel: deixou de ser pobre para ser rica – por amor de quem?
Se os evangélicos e pentecostais – apenas estes – se unissem em torno da missão que Jesus deu à igreja, por certo não haveria um pedinte na rua; um sem-teto, uma criança de rua, porque os membros das igrejas estariam ajudando com seus dons naturais e espirituais cada pessoa da sociedade. Dons naturais, como médicos, construtores de casas, professores – e como seria lindo ver novamente os melhores professores doando-se para ensinar os carentes, sendo pagos pelos recursos que a igreja recolhe de seus membros. Mas a igreja perdeu de vista sua missão social; evangeliza com seu braço profético, mas aleijada, não tem o braço social que acolhe e ajuda os necessitados.
Ora, está comprovado que nenhum regime político, seja de direita, de centro ou de esquerda, em qualquer parte do mundo resolveu os problemas sociais. E regimes que levantaram a bandeira a favor dos pobres fracassaram porque não transformaram o homem a partir do seu interior. A igreja, no entanto, tem a mensagem libertadora que transforma o indivíduo de dentro pra fora transformado-o numa nova criatura, e tem os recursos materiais para ajudar os pobres e desvalidos.
Se a igreja como um todo cuidasse dos pobres e desvalidos a Sociedade Emanuel não precisaria existir. Ela existe para preencher a lacuna deixada pela igreja. E não consegue dar conta do recado. Porque a igreja está separada, dividida, com seus líderes engalfinhando-se em questões teológicas sem resultado algum. Se a igreja evangélica e a pentecostal dessem as mãos teríamos condições de dar moradia a todos, alfabetizar cada adulto desta cidade, amparar cada criança vítima de abusos sexuais, transformando os lares e criando uma nova sociedade. Se pelo menos os pastores se unissem para orar pela cidade, teríamos um ganho surpreendente!
O que afirmo não é uma utopia da cidade feliz de Thomas More, nem o desejo de filósofos de uma sociedade perfeita. O que afirmo pode ser realidade. Basta que nós os pastores deixemos nosso pedestal de liderança, arregaçando as mangas da camisa, saindo às ruas, amparando os menos favorecidos.
Ainda quero retornar ao tema noutra oportunidade.