“Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu. E orou, de novo, e o céu deu chuva, e a terra fez germinar seus frutos” (Tg 5.17-18).
Nós os pastores transitamos dois mundos que se interpõem e se intercalam, isto é, vivemos todos os dias um pouco em nossa humanidade e outro tanto na transcendentalidade. Pregamos debaixo de unção e do favor de Deus, e no dia seguinte descobrimo-nos nus revelando nossa humanidade. O revestimento de poder, a graça de Deus e a eloqüente pregação de fé nos transportam para o sobrenatural, e experimentamos a transcendentalidade, o sobrenatural que reveste nossa humanidade como uma capa. O carisma – este invólucro celestial que cobre nossa nudez, que nos arrebata ao mundo da mística, da fé e do poder de Deus e que nos leva ao sentimento de que somos invencíveis e super-homens parece nos abandonar no dia seguinte, quando então nos deparamos com nossa humanidade deixando expostas nossas fragilidades e fraquezas.
Dentre todos os homens da Bíblia que viveram essas duas realidades, a humanidade e o sobrenatural, Elias é nosso principal exemplo. Estudando a vida de Elias podemos entender que nossa vida é vivida em duas dimensões: na dimensão espiritual e em nossa própria humanidade. O lado transcendental e o humano podem ser vistos com clareza neste profeta de Deus. Elias viveu a maior parte de sua vida experimentando milagres todos os dias. Viveu acima da normalidade humana. Mas, quando se defrontou com sua humanidade, pediu para si a morte.
A história dele começa com a profecia da grande seca ao rei Acabe (1 Rs 17.1) e é resumida em poucas palavras pelo apóstolo Tiago (Tg 5.17). Se não vejamos:
Depois de falar com o rei Acabe recebeu ordens de Deus para se esconder junto a torrente de Querite onde foi alimentado por corvos e bebia da fonte (1 Rs 17.2-7). Durante vários meses os pássaros lhe traziam pão e carne pela manhã e à tarde, e ele bebia da água do riacho. Só dormia e comia. Que vida!
Quando o ribeiro secou Deus lhe ordenou que fosse a Sarepta (na terra de Jezabel, na Fenícia) onde seria sustentado por uma viúva (1 Rs 17.8-16). Deus o escondeu na terra de Jezabel. Chegando a Sarepta encontrou uma viúva colhendo uns gravetos para assar seu último pão. A farinha da panela e o azeite da botija nunca tiveram fim. Ali ele ressuscitou o filho da viúva que havia morrido (vv 17-24). Não havia com o que se preocupar. Foram três anos de vida sobrenatural. Todo dia havia farinha e azeite na botija! Isso deve ter durado três anos ao fim dos quais recebeu ordens de Deus para se apresentar a Acabe. E aqui está a chave para se entender a vida multidimensional e transcendental do profeta: O profeta Obadias lhe diz: “Poderá ser que, apartando-me eu de ti, o Espírito do Senhor te leve não sei para onde…” (v 12). Este texto jorra luz sobre o que disseram os discípulos dos profetas a Eliseu depois que Elias foi arrebatado: “Eis que entre os teus servos há cinqüenta homens valentes; ora, deixa-os ir em procura do teu senhor; pode ser que o Espírito do Senhor o tenha levado e lançado nalgum dos montes ou nalgum dos vales. Porém ele respondeu: Não os envieis. Mas eles apertaram com ele, até que, constrangido, lhes disse: Enviai. E enviaram cinqüenta homens, que o procuraram três dias, porém não o acharam (2 Rs 2.16).
O profeta estava acostumado a ser tele-transportado de um lugar a outro e, certamente nem caminhou do ribeiro a Sarepta, do contrário seria encontrado pelos homens de Acabe. Ele não se deslocava caminhando, mas era transportado pelo Espírito de Deus.
No monte Carmelo ele assistiu ao fantástico milagre da água se transformar em combustível inflamável (1 Rs 18.20-39). E ainda sozinho matou 450 profetas de Baal. Depois da façanha no Carmelo, Elias subiu ao monte e se prostrou em terra orando a Deus para que chovesse (1 Rs 18.41-45). Novamente a transcendentalidade da vida de Elias é vista quando “a mão do Senhor veio sobre Elias, o qual cingiu os lombos e correu adiante de Acabe, até a entrada de Jezreel” (1 Rs 18.46). Acabe já havia retornado a Jezreel e Elias correu mais rápido que os cavalos do rei. Ora, uma carruagem chega a 60 km por hora. Elias, passou adiante de Acabe!
Depois de viver três anos e meio no sobrenatural, Elias sentiu novamente sua humanidade. Com medo das ameaças de Jezabel, fugiu para salvar sua vida. O homem que era tele-transportado, que vivia sob um manto de poder, invisível aos seus perseguidores, teve medo e saiu em disparada fuga para o deserto (1 Rs 19.3 ss). Ele que nunca tivera medo algum, se vê aterrorizado. Como homem ficou depressivo e pediu para morrer (1 Rs 19.4). O “basta” de Elias a Deus é também o clamor dos homens de Deus quando a capa do sobrenatural dá lugar à nudez da nossa humanidade. Ele pediu para si a morte! O homem que era transportado e suprido sobrenaturalmente se expõe nu revelando toda sua humanidade. O homem que se vê debaixo da árvore pedindo para morrer, está nu diante de Deus e da sociedade.
Tomado pelo estresse dos acontecimentos dos últimos três anos e meio, Elias se revelou tão impotente, como qualquer um de nós. Como diziam os místicos, Deus deixa nos melhores santos alguma fraqueza para que aprendam a depender sempre de sua graça. Mesmo assim ainda experimentou do sobrenatural por duas vezes quando se acordou e comeu da comida que os anjos lhe prepararam (1 Rs 19.5-7). Entretanto, precisou caminhar sozinho durante quarenta dias e quarenta noites até o monte Horebe (1 Rs 19.8).
Na vida cristã experimentamos momentos em que expomos nossa humanidade e temos de enfrentar sozinhos as dificuldades. Pregamos tão fervorosamente no culto de domingo, vemos pessoas curadas e salvas, gente transformada numa atmosfera de poder que nos enleva o espírito aos céus. O carisma sobrenatural reveste nossa humanidade deixando em nós uma aura de poder e glória. No entanto, na segunda-feira o mundo desaba. O carisma do transcendental e do sobrenatural desaparece deixando-nos nus, expondo nossa humanidade.
Claro, depois da experiência no Monte Orebe Elias enfrentou com coragem a Acabe e a Jezabel (1 Rs 21.23).
O ponto central deste artigo é destacar que também nós vivemos oscilando entre o sobrenatural e o natural. A aura do transcendental desaparece para dar lugar a nossa humanidade.
Paulo era um homem que vivia no sobrenatural, curava os enfermos, tinha revelações, êxtases, etc., mas chegou a pedir a morte para si. Num desabafo aos coríntios afirmou: “Quem enfraquece, que também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu não me inflame?” (2 Co 11.29). “Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida” (2 Co 1.8). Eis a humanidade do apóstolo quando desvestido do sobrenatural.
Depois Paulo fala do espinho na carne. Quer dizer, ele experimentava em sua humanidade a fraqueza do homem. Discutiu com seu amigo Barnabé. Irritava-se. Porque nem sempre o sobrenatural está presente, e sim nossa humanidade!
Não me refiro aqui a viver na carne – coisa bem diferente! Os frutos da carne são uma coisa, viver nossa humanidade é outra bem diferente. Viver na carne é produzir obras da carne; viver nossa humanidade é sermos apenas humanos. Só os super-crentes e super pregadores ignoram e escondem este fato!
O Pastor nu
Por isso o texto aos hebreus é claro quanto a função pastoral – não que eu esteja afirmando que o pastor é um sacerdote, nada disto. “Porque todo sumo sacerdote, sendo tomado dentre os homens, é constituído nas coisas concernentes a Deus, a favor dos homens, para oferecer tanto dons como sacrifícios pelos pecados, e é capaz de condoer-se dos ignorantes e dos que erram, pois também ele mesmo está rodeado de fraquezas” (Hb 5.1-2).
No Antigo Testamento, o sacerdote, antes de tudo tinha que expor sua nudez. Era examinado nu e revistado porque não podia ter os testículos quebrados, ou amassados, nem defeito algum nas partes que sua vestimenta encobria. Antes de ser vestido das vestes sacerdotais o sacerdote era lavado por seus pares e vestido por eles. Ele não podia esconder sua humanidade, isto é, seus defeitos. “E fez chegar a Arão e a seus filhos e os lavou com água” (Lv 8.6). Ficaram nus diante de Moisés e dos demais sacerdotes. Antes da glória a humanidade tem de ser vista. Os pastores devem entender que a nudez é inevitável. A glória transcendental de Deus só opera em vasos humanos.
“Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo. Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2 Co 4.6-7).
Abraão, homem de fé, mentiu. Isaque também. Jacó teve encontros maravilhosos com Deus, e trapaceou. Davi, homem segundo o coração de Deus adulterou, matou e não se apiedou dos inimigos. Todos estes viveram o sobrenatural, experimentaram o transcendental e foram deixados por breves momentos em sua humanidade.
Todos nós estamos rodeados de fraquezas, e por breves momentos experimentamos do sobrenatural. Existem certos períodos da vida em que vivemos no sobrenatural, mas vêm épocas em que o sobrenatural desaparece e nos deparamos com nossa triste humanidade!
Mas, lamentavelmente o povo e os demais colegas querem nos ver sempre gotejando do sobrenatural, como se fossemos sobre-humanos, e esperam de nossa parte que a vida de poder se manifeste a cada momento. No entanto, como Elias e os demais personagens bíblicos nossas fraquezas nos expõem deixando-nos nus. É neste momento que precisamos de um colega pastor, de um amigo que tome nossas vestes e nos cubra, até que a glória de Deus novamente cubra-nos com o sobrenatural.