Nota introdutória:
Os menonitas são, na verdade, a continuidade dos Irmãos, fieis comprometidos com o evangelho de Cristo que mantiveram sua linhagem evangélica ligada ao tempo dos apóstolos. Receberam o nome de menonitas devido ao seu líder, Menno Simon que percorreu a Europa visitando e fortalecendo os “irmãos” perseguidos tanto pela Igreja romana quanto pelos reformadores Lutero e Zwinglio.
Menno Simon que viveu no período da reforma (1492-1559), homem qualificado para pregar, e sendo um dos principais líderes que pregavam o batismo, escreveu: “Ninguém pode me acusar de concordar com o ensinamento de Münster, ao contrário, durante dezessete anos até hoje eu me opus e lutei contra eles, pessoal e publicamente, falando e escrevendo. Os que à semelhança da população de Münster recusam a cruz de Cristo, desprezam a palavra de Deus e se entregam ao pecado imaginando que estejam certos, nunca os reconheceremos como nossos irmãos e irmãs. Os que nos acusam pensam que só porque batizamos em águas da mesma maneira que eles serão reconhecidos como nossos irmãos. E respondo: Se o batismo exterior faz tanta diferença, então eles devem saber que tipo de grupo eles são, pois é evidente que assassinos e adúlteros e outros tais que foram batizados como eles o foram não fazem parte da igreja”.
Depois dos acontecimentos em Münster a congregação dos irmãos passou a ser acusada falsamente de todo tipo de heresias, e a perseguição foi ainda maior. A esperança de que pudessem obter liberdade de consciência e de culto e de se tornarem uma força na sociedade germânica desapareceu. Os remanescentes dispersos recebiam visitas e eram fortalecidos, diante do perigo que corriam por Menno Simon, o que gerou mais tarde os menonitas.
Em sua autobiografia * escrita depois de 18 anos de atividades ele relata de como aos 24 anos se tornou sacerdote católico na vila de Pingjum (em Friesland, norte da Holanda). “Quanto as escrituras”, escreveu, “eu nunca a abri com medo de ser mau conduzido… um ano depois vinha o pensamento do que fazer com o pão e o vinho na Missa, de que aqueles elementos poderiam não ser a carne e o sangue do Senhor… a princípio imaginava que tais pensamentos viessem do diabo que queria me desviar da fé. Sempre confessei e orei a este respeito, mas não conseguia me livrar de tais pensamentos”. Ele passava seu tempo bebendo e gastando o tempo com outros padres, e sempre que se mencionava as escrituras ele zombava dela. “finalmente decidi ler o Novo Testamento de uma só vez com diligência. Nunca fiz progresso na Bíblia, anteriormente, e descobri que estava sendo enganado. Pela graça de Deus avancei dia a dia no conhecimento das escrituras, a ponto de me chamarem de pregador evangélico, erroneamente, por certo. Todos passaram a me procurar e a me elogiar, pois o mundo me amava e eu ao mundo. No entanto afirmavam que eu pregava a palavra de Deus e de que eu era um bom homem.”
“Depois, apesar de nunca haver ouvido falar dos irmãos, aconteceu que um tal de Sicke Snyder, um homem temente a Deus, piedoso e herói foi decapitado em Leeuwarden, porque havia renovado seu batismo. Um outro batismo, pensei, era algo extraordinário que eu desconhecia. Examinei as Escrituras cuidadosamente e meditei no assunto com dedicação e não encontrei base para o batismo infantil. Ao fazer esta descoberta comentei o assunto com meu pastor, e depois de muita conversa, estudamos o tema tão a fundo que ele teve de admitir que não havia fundamentação bíblica para o batismo de crianças.”
Menno pesquisou em livros e pediu conselho a Lutero, a Bucer e a outros. Cada um deles apresentou uma razão para o batismo de crianças, mas nenhum deles pôde provar pela Bíblia.
Por este tempo ele foi transferido para sua vila natal Witmarsum, (em Friesland) onde continuou a ler a Bíblia, passou a ser admirado e a ter sucesso, mas continuava a viver de maneira descuidada. “Veja, leitor”, ele continua, “obtive conhecimento do batismo e da Ceia, pela graça de Deus, pela iluminação do Espírito Santo, depois de ler e meditar na palavra, e não pela instrumentalidade de seitas errantes, de que sou acusado. Assim se alguém merece ser agradecido por meu progresso, sempre agradecerei ao Senhor por tudo. Um ano depois de assumir meu novo posto alguém apareceu por lá pregando o batismo. Não me lembro quem e nem quando começaram a pregar sobre isto, porque nunca os encontrei. Então a seita dos Münster surgiu, e através deles muitos corações piedosos foram enganados. Minha alma se perturbou porque percebi que eram zelosos mas erravam doutrinariamente. Com meu pequeno dom de pregar e exortar, me opus aos erros o quanto pude… Todo meu esforço deu em nada porque eu sabia que não estava fazendo o que sabia ser o correto. A notícia se espalhou de que eu podia calar a boca deste povo, e todos assim pensavam de mim. Tal situação me deixou angustiado, e eu diante do Senhor orei: ‘Senhor, ajude-me para que eu não fique carregando os pecados dos outros!’ Minha alma estava perturbada e pensei que poderia acontecer de eu ganhar o mundo inteiro e, depois de viver mil anos ouvir de Deus a sentença de ira. Afinal o que teria ganhado?”
“Depois disto estas pobres ovelhas desgarradas, sem verdadeiros pastores, vítimas de editos cruéis e de tanto morticínio e assassinato se ajuntaram num lugar chamado Oude Kloster, e alas! Seguindo os ensinamentos errôneos de Münster, contra o Espírito, e contra a palavra, e sem o exemplo de Cristo, aquele líder desembainhou a espada em sua própria defesa a qual o Senhor tinha ordenado a Pedro que colocasse na bainha. Quando isto aconteceu, ainda que estivessem errados, um peso de responsabilidade caiu sobre meus ombros e não tive mais descanso. Passei a refletir sobre minha vida carnal, meus ensinamentos hipócritas e a idolatria que se manifestavam em mim diariamente. Eu mesmo testemunhara como estes zelosos, ainda que não estivessem à frente de toda doutrina, permitiram que crianças, bens e sangue se perdessem pela convicção de sua fé, e eu era um dos que ajudou a enumerar as maldades do papismo.
Contudo, continuei a viver na maldade, buscando conforto para minha carne e evitando encarar a cruz de Cristo. Tais pensamentos se arraigaram em mim a ponto de me desesperar. Pensei comigo: Desgraçado homem que sou, o que fazer? Se eu continuar a viver assim depois de conhecer a verdade e não me entregar totalmente ao Senhor; se não me entregar totalmente ao estudo da palavra de Deus; e não condenar à luz da Palavra de Deus a hipocrisia dos teólogos, sua forma corrupta de batizar, a ceia, e os falsos cultos, com os dons que Deus me deu, ainda que poucos, se, com medo de minha carne não expor a base real da verdade, não poderei, estou certo, guiar essas ovelhas errantes que me acusarão diante do juízo do Altíssimo que pronunciará o julgamento de minha alma! Meu coração estremece! Orei a Deus com suspiros de alma e lágrimas pedindo que ele me concedesse os dons de sua graça, a mim um perdido pecador, pedi a Deus que me desse uma alma pura, pela obra redentora e pelo derramamento de seu sangue e que me perdoasse por viver uma vida sem sentido, e que me desse sabedoria, espírito, coragem e heroísmo, para que eu pregasse sobre o poder de seu nome, de forma genuína, e que minha pregação redundasse em honras e glória ao seu santíssimo nome.
“Então comecei a pregar, em nome do Senhor e a ensinar publicamente e do púlpito a palavra de arrependimento, conduzindo o povo pelo caminho estreito, condenando o pecado e o estilo de vida devasso, bem como toda idolatria, e adoração falsas, testificando abertamente o sentido verdadeiro do batismo e da ceia conforme os princípios estabelecidos por Cristo, pela graça que Deus me concedera até aquele momento. Passei a alertar o povo sobre as perversidades dos irmãos de Münster, seu rei, a poligamia e seu reino defendido pela espada. E foi assim que, depois de batalhar intensamente nesta direção, depois de nove meses, o Senhor me encheu do seu Espírito, estendeu-me sua poderosa mão, para que, sem hesitar e sem compulsão humana eu não me importasse mais em buscar honra, um bom nome e reputação, coisas que eu tinha entre os homens, deixando para trás o estilo de vida anticristão que vivera até então.”
“Dispus-me a viver na pobreza e miséria, sob a pesada cruz de nosso Senhor, temendo a Deus em fraquezas, e saí a buscar as pessoas zelosas pela doutrina – e não encontrei muitos zelosos. Argumentei com os que se haviam desviado, e ganhei alguns deles pela graça e poder do Senhor. Os obstinados e duros de coração entreguei ao Senhor. Veja, meu leitor como a graça de nosso Senhor foi derramada sobre este miserável homem, pecador, que, depois de aguçar meu coração, deu-me uma nova maneira de pensar, humilhou-me para andar em sua presença, levou-me a conhecer minha triste realidade, conduzindo-me do caminho da morte para a estreita senda da vida e me chamou por pura misericórdia a fazer parte da comunhão dos santos. A ele a glória para sempre! Amem.”
“Um ano depois, enquanto silenciosamente lia e estudava a palavra de Deus, cerca de oito pessoas me procuraram; eram pessoas de um só coração e alma, que, até onde se pode julgar viviam na fé, puras, separadas do mundo conforme o testemunho das escrituras, vivendo sob a cruz; pessoas que estavam horrorizadas com os acontecimentos de Münster, indignadas com surgimento das seitas malignas que deveriam ser condenadas em todo o mundo. Essas pessoas me procuraram e me pediram, chorando, que eu tivesse misericórdia das almas dispersas, pois a fome espiritual era intensa e poucos são os mordomos, e pediram que eu não usurpasse o que havia recebido do Senhor.”
“Depois de ouvir o que essas oito pessoas tinham a dizer, meu coração se perturbou, angústia e medo se apoderaram de mim, pois por um lado sabia que tinha poucos dons, que não aprendia com facilidade, que vivia cheio de temores da carne, que era perverso e estas coisas me pressionavam bastante. Por outro lado vi a fome espiritual, a falta de pessoas tementes a Deus, e vi que eram pessoas abandonadas sem pastor. Finalmente me coloquei à disposição do Senhor e de sua igreja e impus como condição que esses irmãos buscassem fervorosamente a Deus, comigo, e que, se fosse da vontade de Deus eu seria instrumento de sua glória. Que a bondade do Pai celestial me desse um coração puro para que eu clamasse como Paulo: Ai de mim se não pregar o evangelho, do contrário que ele me impedisse de agir… Veja, leitor, que eu não fui chamado para a obra pelos irmãos de Münster, nem por outra seita, como caluniam por aí, e, sendo desprezado por essa gente…”.
“Assim eu, um miserável e grande pecador fui iluminado pelo Senhor, me converti e saí da Babilônia chegando a Jerusalém até se me apresentar esta tarefa nobre e difícil. Como tais pessoas não desistiam e, impelido pela consciência , vendo a grande necessidade, entreguei-me totalmente ao Senhor de corpo, alma e espírito, e comecei, naquele tempo (1537) a ensinar e a batizar conforme o ensino das Escrituras. Com meus poucos dons, passei. Como Neemias, a edificar seu templo e sua cidade, buscando as pedras espalhadas e colocando-as no templo de Deus. E conforme a graça do Senhor visitei muitas vilas e cidades pregando o arrependimento, falando da palavra da graça de Deus, levando o santo sacramento a poucas ou muitas pessoas que se reuniam em vários lugares. Ele é que faz sua igreja gloriosa, concedendo-lhe poder; uma igreja que não tem outra arma, que vive em exílio, perseguida, torturada, queimada como é de hábito a obra da velha serpente; assim, começamos na Holanda, e, alas! Diariamente labutamos”.
“Veja que este é nosso chamamento e nossa doutrina; estes os frutos do nosso trabalho, e por isso somos blasfemados e perseguidos como inimigos. Ainda que profetas, apóstolos e servos fieis a Deus não produzam os mesmos frutos, deixemos que o povo, faça seu próprio juízo e julgamento. Se o mundo maligno desse ouvidos ao nosso ensinamento, – que não procede de nós, mas do Senhor, e seguissem a Cristo no temor de Deus, teríamos outro mundo, diferente deste. Agradeço a Deus que me tem concedido graça para que, mesmo com derramamento de sangue, meu desejo é que o mundo todo seja atraído dos seus maus caminhos para Cristo.”
“Espero, portanto, com a ajuda do Senhor, que ninguém me acuse de cobiça ou de viver na luxúria. Não tenho ouro e prata, nem os ambiciono, ainda que existam pessoas de coração perverso afirmando que eu como mais bifes no jantar que eles, e que bebo mais vinho do que eles – que só bebem cerveja… aquele que me vocacionou para a obra sabe que não aspiro ouro e prata, nem conforto, mas vivo para glorificar a Deus. Nesta base é que sofro ao lado de minha delicada esposa e de meu filho, enfrentando o medo, pressões, tristezas, miséria e perseguições, pois nestes últimos dezoito anos tenho vivido com constante temor, na pobreza, temendo por nossas vidas. Sim, porque enquanto os pregadores se deitam em leitos confortáveis, nós nos escondemos e nos protegemos nas sombras das esquinas. Enquanto eles participam alegremente de casamentos, etc. fumando seus cachimbos, sob o som de flautas e tambores, nós ficamos alerta aos latidos dos cachorros, porque pode ser que alguém esteja se aproximando para nos prender. Enquanto os pregadores são saudados como doutores ou mestres, nós nos permitimos ser chamados de anabatistas, pregadores de ruas, enganadores e heréticos e somos saudados em nome do diabo. Finalmente, em vez de sermos recompensados, como eles com bons salários, pelos serviços prestados e recompensados, nossa recompensa é o fogo, a espada e a morte.”
“Veja, meu querido leitor, eu um pobre desgraçado venho trabalhando sem cessar para o Senhor, vivendo em ansiedade e na pobreza, na tristeza e em perigo de morte, vagando pelo mundo. Eu e meus companheiros que labutamos neste tempo de dificuldade e de perigos podemos ser medidos pelos frutos de nossa obra. Meu leitor sincero, por amor a Jesus, aceite com amor nossa confissão de pecados e nosso testemunho de conversão e tire suas próprias conclusões. Em todo lugar sou perseguido por pregadores que afirmam que eu não prego a verdade, como se eu fosse líder de uma seita herética. Os que temem a Deus, leiam nosso testemunho e julguem!”.
Menno Simon *se dedicou a visitar e a reunir outra vez as igrejas que viviam espalhadas por causa da perseguição. Foi isso o que fez na Holanda até que em 1543 foi declarado um fora-da-lei, e um preço foi estipulado por sua captura, e qualquer pessoa que o acolhesse seria condenado à morte, e qualquer criminoso que o encontrasse e o entregasse aos executores seria perdoado de seus erros. Obrigado a abandonar os países baixos, depois de vaguear e de viver em perigos foi acolhido em Fresenburg onde o conde Alefeld o protegeu; mas não somente foi ele perseguido, mas todos os que com ele andavam. Este nobre conde sofrendo com os gritos por justiça deste povo sofredor acolheu esses irmãos bondosamente, e ali não apenas encontraram um local de refúgio, mas também liberdade de culto, porque havia muitas igrejas se reunindo na vila de Wüstenfelde e nas vilas ao redor.
Em Fresenburg Menno Simon pôde imprimir livremente seus materiais que circularam por todos os lugares, esclarecendo as pessoas que estavam em posição de autoridade, abrindo-lhes os olhos, o que contribuiu para amenizar a perseguição e dando liberdade de culto. Menno morreu em paz em Fresenburg no ano de 1559.
Os imigrantes anabatistas estabeleceram novas empresas em Holstein e prosperaram trazendo prosperidade ao país até que foram todos dispersos pela Guerra dos Trinta Anos.
Um livreto publicado em 1542 por Pilgram Marbeck jorra bastante luz sobre o ensinamento dos irmãos. Eles tinham diferenças de opiniões em alguns pontos, mas este livro mostra o esforço dos irmãos em observar os ensinamentos bíblicos de maneira correta. Ainda que o autor expresse um ponto de vista extremado da importância de se observar a vida exterior da igreja, pode-se afirmar que não existe nada de negativo daquilo que se lhes atribuíam. No título o escritor afirma que o livro tem como objetivo levar conforto a todos os fiéis, piedosos e comprometidos de coração, mostrando-lhes o que as Escrituras ensinam sobre o batismo e a ceia do Senhor.
O autor apresenta os textos bíblicos para provar seu ponto de vista aos leitores, e conclui: “Assim, podendo expressar nossos pensamentos, nosso entendimento, opinião e fé com respeito ao batismo e a ceia encerraremos com um resumo geral da importância desses dois temas, e explicando a razão porque foram tão citados. Nosso Senhor Jesus deseja ser reconhecido, não apenas em sua congregação, mas através dela, para que seu santo nome seja reconhecido e louvado por todo o mundo. Por isso, Cristo, juntamente com a pregação do evangelho, instituiu essas duas coisas, o batismo público e a ceia que são elementos que mantêm pura e santa a parte visível da igreja. Como o tema tem de ser visto à luz da verdade, podemos afirmar que três coisas são necessárias para a vida de uma assembléia cristã: a pregação do evangelho, o batismo e a ceia do Senhor. Quando não ocorrem estas três coisas ou alguma delas não é praticada não é possível manter o testemunho visível da igreja.”
1. Pregação do evangelho. “Para que a parte visível da assembléia de Deus seja vista quando está reunida, para que a assembléia seja iniciada e mantida tem de haver a pregação do evangelho. A pregação do evangelho é a rede de pesca viva que deve ser lançada sobre as pessoas que navegam neste mar que é o mundo, e as pessoas são como bestas e por natureza filhos da ira. Os que são apanhados nesta rede ou pela linha com anzol, isto é, pela palavra do evangelho, ao serem firmados nele são tirados das trevas para a luz e podem ser transformados de filhos da ira para filhos de Deus. É a isto que se refere Pedro quando fala que somos pedras vivas edificadas. Porque a igreja é a reunião de todos os que verdadeiramente crêem e são filhos de Deus, que louvam e dão testemunho público do seu nome. Na igreja só há espaço para os fieis, pois entendemos que as pessoas, por natureza não entendem as coisas divinas e somente pela palavra é que adquirem conhecimento de Cristo e das escrituras sagradas. Assim, pela pregação do evangelho temos o começo pela qual todos os homens são reunidos ao redor do conhecimento de Deus e de sua santa igreja. A fé vem pela pregação da palavra de Deus e os que o aceitam passam a ser contados como filhos, para só então se tornarem membros da santa igreja…”.
2. O batismo. “A segunda coisa que contribui para a edificação da igreja é o santo batismo, que é a entrada e a porta para que alguém faça parte da santa igreja, pois de acordo com a palavra de Deus uma pessoa só faz parte da igreja através do batismo. Portanto para ser recebido na santa igreja, isto é, na assembléia dos que crêem em Cristo, a pessoa tem de morrer para o diabo, e deve renunciar o e morrer para o mundo; deve renunciar as coisas mundanas, crucificar a carne e o orgulho. E deve confessar com seus lábios sua decisão. Depois de proceder assim ela deve ser batizada no nome de Deus, ou em Jesus Cristo, pois seu batismo é firmado na confissão do arrependimento e da fé, crendo que está purificado de seus pecados, para depois andar em obediência a Deus e a Cristo. Eis aí a utilidade do batismo, porque através dele os crentes podem expressar de maneira visível que estão aceitando a fé e se unindo à santa igreja…”.
3. A ceia do Senhor. “Quanto a ceia ela pode ser apresentada de duas maneiras. Primeiramente, toda a assembléia se reúne ao redor da mesa do Senhor, como testemunho da unidade da fé e do amor de Cristo. Em segundo, para que toda iniqüidade e tudo que não é santo e puro para Cristo, tudo o que o ofende seja eliminado e cortado (da igreja).”
O escritor deste livreto, Pilgram Marbeck era um engenheiro. Nascido no Tirol ele realizou importantes obras na região baixa do vale de Inn, e foi condecorado diversas vezes pelo governo por serviços prestados à comunidade. Não se sabe ao certo quando se uniu aos irmãos, mas em 1528 sua confissão de fé o fez perder todos os títulos de cidadão emérito. Foi neste tempo que escreveu: “Criado por pais piedosos no papismo, abandonei ao (papismo) e passei a pregar o evangelho de Guttenbergue (o evangelho de Lutero). Depois de descobrir que os luteranos viviam na libertinagem, comecei a duvidar e não mais encontrei descanso entre os luteranos. Foi então que aceitei ser batizado como sinal de minha fé e obediência, buscando somente a palavra e os mandamentos de Deus.”
Ele teve que deixar todos os seus bens para fugir com sua esposa e seu filho – seus bens foram confiscados, mas sua capacidade profissional o ajudava a se manter onde quer que vivesse. Em Estrasburgo ele enriqueceu a cidade construindo um aqueduto por onde desciam os troncos de madeira trazidos da Floresta Negra. Seu caráter limpo e seu zelo espiritual angariaram muitos admiradores, pois havia muitos irmãos e muitos seguidores dos reformistas. Bucer e Capito foram atraídos pela sinceridade de Pilgram Marbeck e seus dons espirituais. Por pregar abertamente e sem temor sobre a necessidade da pessoa ser batizada, atraiu também inimigos. O próprio Bucer se virou contra ele e Marbeck foi preso. Capito não se envergonhava de visitá-lo na prisão, mas a discussão ia parar no conselho da cidade de que não era necessário crer no batismo infantil para ser um cristão, e deram a Pilgram Marbeck quatro semanas para terminar seu projeto e abandonar a cidade em 1532.
O Sectarismo limita a razão e a fé. O coração responde e aceita algumas verdades ensinadas nas Escrituras acompanhadas da revelação divina, e à medida que as recebemos, que as expomos, e as defendemos adquirem uma força muito grande sobre nós. Um outro lado da verdade, outro ponto de vista da revelação – tudo com base nas Escrituras, parece enfraquecer e até mesmo contraditar a verdade anterior que era aceita, conseqüentemente o zelo doutrinário leva a balança a pender para um só lado, a ponto de se negar a verdade anterior. E é assim que, um pouco de revelação aqui e uma parte da Palavra ali contribuem para formar uma nova seita, ao que parece boa e útil pois leva à prática a verdade divina, mas limitada e desequilibrada, porque não apresenta toda a verdade, nem tampouco aceita toda a Escritura. Os membros que aceitam esta nova “revelação” além de serem impedidos de ver a Escritura por completo, são cortados da comunhão dos santos, e ficam mais limitados que os demais, pois a viseira doutrinária não lhes permite enxergar a verdade completa, mas apenas uma fração.
É de se lastimar, com razão, as divisões existentes entre o povo de Deus porque o fundamental é obscurecido por essas divisões visíveis a olho nu. No entanto, na igreja existe liberdade de se enfatizar o que se aprende e o que se experimenta, o que é de grande valia, pois até mesmo os conflitos sectários são resultados do zelo doutrinário de algum aspecto da verdade, o que leva a uma busca intensa pelas Escrituras e a descoberta de novos tesouros. Agora, quando essas coisas põem em perigo o amor, o prejuízo é enorme. Por outro lado, pior que a luta sectária é quando se quer manter a uniformidade ao custo da liberdade, ou quando os irmãos se reúnem movidos pela indiferença.
Um edito do Duque Johann de Cleve, Julich, Berg e Marcos, dizia assim: * “Sabendo-se de antemão o que fazer com os anabatistas… juntamente com o arcebispo de Colônia queremos anunciar, através deste edito que ninguém deve ser desculpado alegando falta de conhecimento. A partir de hoje toda pessoa que se batizar de novo, e todo o que ensinar que o batismo infantil não tem valor algum seja punido com morte… e também todo o que afirmar ou ensinar que no sacramento o sangue e o corpo de nosso Senhor Jesus Cristo não estão presentes, mas apenas figurativamente ou em memória… não seja mais aceito na cidade, mas banido de nosso principado, e se depois de três dias ainda ficarem na cidade sejam punidos de morte… recebendo o mesmo tratamento reservado aos anabatistas”. Foram encontrados registros que relatam as mortes por fogueira, afogamento e decapitação que se seguiram àqueles dias.
Em Colônia a congregação continuou a se reunir secretamente numa casa junto ao muro que tinha duas entradas, para que os irmãos pudessem escapar caso fossem descobertos e presos. Em 1556 Thomas Drucker Von Imbroek um mestre habilidoso e piedoso de apenas 25 anos de idade foi levado como prisioneiro de torre em torre, torturado, e, por fim foi decapitado. Algumas de suas cartas e vários de seus hinos foram escritos na prisão, e sua confissão de fé foi impressa e circulou entre os irmãos, o que ajudou a divulgar a verdade. Sua esposa lhe escreveu uma carta em forma de verso quando ele estava na prisão: “Querido amigo, mantenha-se agarrado à pura verdade; não fique aterrorizado porque você sabe a importância dos votos que fez; aceite a cruz, pois o próprio Cristo e os santos apóstolos passaram por tudo isto”. A igreja de Colônia não se intimidou com a morte de Drucker. Em 1561 mais três irmãos morreram afogados; no ano seguinte dois deles foram presos sendo que um morreu afogado e o outro na hora da morte foi banido, censurado e desterrado.
As reuniões continuaram até 1566 quando um dos membros traiu o grupo. A casa foi sitiada e todos foram feitos prisioneiros. Anotaram seus nomes e eles foram espalhados por diversas prisões. Matthias Zerfass, espontaneamente se declarou líder e mestre do grupo, não vacilou diante da tortura e depois foi decapitado. Da prisão ele escreveu: “Eles me torturaram para que eu denunciasse quem eram os guias e mestres e revelasse seus nomes e endereços… eu deveria concordar que as autoridades eram cristãs e afirmar que concordava com o batismo de crianças. Apertei os lábios, me entreguei a Deus, sofri pacientemente e me lembrei das palavras do Senhor quando ele disse: ‘Maior amor não existe do que alguém dar a sua vida a favor de seus amigos. Vocês são meus amigos se fizerem o que lhes mando fazer’. Ao que parece ainda vou sofrer muito, mas estou nas mãos do Senhor, e minha única oração é que a vontade dele seja feita”.
Não obstante em 1534 o bispo de Münster escreveu ao Papa testemunhando a favor do estilo de vida dos anabatistas.
Hermann V arcebispo de Colônia (1472-1552) percebeu a necessidade de reforma na Igreja Romana e fez de tudo para mudar a igreja. Ele era Conde de Weied e Runkel e eleitor do Império. Aos quinze anos de idade foi eleito Deão de Colônia e mais tarde arcebispo. Era um sujeito bom e liberal, amado por seus seguidores mas não se interessava pela teologia e pelo latim. Opunha-se a Reforma e queimava as obras de Lutero, e sua corte espiritual condenou dois habitantes de Colônia ao martírio. No entanto ele notava que o povo era ignorante e supersticioso e que a igreja estava nas mãos de um clero ignorante e ausente do povo. Ele notava que a ceia do Senhor não era levada a sério e que os membros do clero não seguiam as regras canônicas. Em consultas feitas com os melhores oficiais da igreja católica ele tentava realizar uma reforma seguindo as idéias de Erasmo. Diante do fracasso desta sua tentativa ele tentou realizar uma reforma evangélica na igreja com a ajuda de Bucer e de Melanchthon, mas a oposição do clero e da universidade de Colônia, e de Canisius um jesuíta ferrenho frustrou seus esforços. Sem apoio para suas reformas ele renunciou o cargo de arcebispo e se retirou para seu Estado.
Um dos que permaneceu distante da igreja romana e também de Lutero e dos reformadores, mas que não se uniu aos chamados anabatistas foi o nobre da Silésia, Kaspar Von Schwenckfeld (1489-1561) homem influente em seu país e no exterior. * Comerciante que negociava com as pequenas cortes alemãs, até os trinta anos de idade não se interessava em ler as Escrituras, até que foi tocado pelas mensagens de Martinho Lutero, “A maravilhosa trombeta de Deus”, e foi visitado por Deus tornando-se a “alma” da reforma na Silésia. Mas, não demorou muito tempo para que Schwenckfeld começasse a fazer severas críticas a Lutero, especialmente com respeito a doutrina da ceia do Senhor. Por causa disto Lutero o atacou violentamente usando de sua autoridade para tratá-lo como intrometido e herético. Schwenckfeld, no entanto, sempre reconhecia publicamente a influência de Lutero em sua vida espiritual, e depois de sofrer durante anos as perseguições do próprio Lutero e dos luteranos ele deu sua opinião aos que conheciam seu dilema: “Oremos a Deus por eles, com fidelidade, porque chegará o dia em que eles, e todos nós, reconheceremos nossa ignorância na presença do Mestre, Jesus Cristo”.
Sua maior alegria era o estudo das Escrituras. Ele entendeu que se lesse quatro capítulos por dia poderia ler a Bíblia inteira durante o ano, e a princípio fez disto uma regra para si mesmo, mas decidiu deixar que o Espírito Santo o dirigisse em suas leituras e não se obrigou a uma certa quantidade, mas ficou livre para ler o que o Espírito lhe conduzisse ler. Ele afirmou: “Cristo é a completude de toda a Bíblia e o objetivo principal das Escrituras é nos levar a conhecer o Senhor Jesus Cristo”. A fé, a inspiração e a veracidade da Bíblia não se tornaram um dogma para ele, mas a descoberta de possibilidades ilimitadas; A Bíblia não era apenas uma superstição antiga, mas um livro que lhe dava progresso espiritual. Ele descreveu sua leitura da Bíblia como “uma alegria de novas descobertas, na qual meditava diariamente e sobre a qual pensava a todo momento”. “Porque nela existe um tesouro oculto que nos espera, como um baú de puras pérolas, ouro e pedras preciosas”.
Uma regra “segura” para o expositor, diz ele, “onde existem passagens discutíveis, é que todo o contexto deve ser estudado, pois a Escritura é luz para si mesma, e passagens isoladas quando trazidas para o todo, devem ser comparadas, ainda que apareçam na Bíblia uma única vez, para se saber por que estão na Bíblia”. Ele se aprofundou no estudo do hebraico e do grego, e escrevia baseado na tradução da Bíblia feita por Lutero, mas também da “velha Bíblia” que era usada pelos anabatistas (muito antes de Lutero) e pela Vulgata. Ele descobriu a chave para entender o Antigo Testamento estudando o Novo. Ele decidiu que se deixaria guiar pelas doutrinas e pela prática das Escrituras, “e se não entendermos tudo não devemos pôr a culpa na Bíblia, mas em nossa ignorância”.
Oito anos depois de haver sido visitado por Deus pela primeira vez, ele teve uma nova experiência que afetou sua vida para sempre. Até então estava comprometido com a pregação da palavra e com o luteranismo, e agora, o que acreditava intelectualmente passou a ser acreditado de coração. Passou a ter certeza de seu chamamento, a ter certeza de sua salvação, e se entregou a Cristo como sacrifício vivo e agradável. Apoderou-se dele um profundo sentimento de pecado, e também da suficiência da obra redentora de Cristo por sua morte e ressurreição. Esta convicção tomou conta de sua alma, transformou sua mente e o fez caminhar pelo caminho da obediência, pela liberdade encontrada na vontade de Deus.
Descobriu que as Escrituras não apenas nos guiam à santificação e justificação pessoal, mas que contêm todas as instruções que uma pessoa precisa saber com respeito a igreja. Ele afirmou: “Se quisermos reformar a igreja, temos que depender do Espírito Santo e especialmente do livro dos Atos dos apóstolos, porque ali vemos como tudo aconteceu no início, o certo e errado, e o que é ou não aceitável diante de Deus e do Senhor Jesus.” Ele notou que a igreja dos tempos apostólicos e seus sucessores imediatos se constituía de irmãos que se reuniam gloriosamente, não apenas num local, mas em muitos. E se pergunta onde encontraria aquele tipo de assembléias nos dias de hoje. “As Escrituras só incluem (no corpo) aqueles que reconhecem ser Cristo o cabeça e os que voluntariamente se submetem ao Espírito Santo como guia, que os adorna com dons e conhecimentos espirituais.”
O Senhor Jesus, através dos dons espirituais dirige as pessoas individualmente e também toda a assembléia dos santos. Nas reuniões da assembléia os dons espirituais são manifestos para proveito de todos; porque o mesmo Espírito distribui os dons que são manifestados e distribuídos a cada membro do corpo como ele quer. O Espírito tem essa grande liberdade! Quando alguém, guiado pelo Espírito se põe a falar, a pessoa que estava falando se cala. As igrejas não são perfeitas, e é possível que alguns hipócritas consigam esconder sua desfaçatez, mas quando descobertos devem ser excluídos. Schwenckfeld não podia, portanto, reconhecer a religião reformada estatal como Igreja (Luterana), porque a grande maioria dos irmãos não tinham o Espírito de Cristo, e participavam dos sacramentos sem a graça de Deus. Dispôs-se a receber ajuda de organizações missionárias, desde que não tomassem o lugar das igrejas de Cristo.
“Está claro e evidente”, disse depois, “que todos os crentes são chamados para glorificar o Senhor Jesus Cristo, anunciando suas virtudes e confessando seu nome diante dos homens.”. Quaisquer restrições ao sacerdócio universal de todos os santos limita a ação do Espírito Santo. “Se nos dias de Paulo agissem como hoje, e somente os indicados pelos magistrados pregassem o evangelho, até onde o evangelho teria chegado? Até que ponto o evangelho teria nos alcançado?”. Alguns são escolhidos dentre os crentes para uma obra especial, e se encaixam no ofício a que são designados, mas não pelo estudo, eleição ou ordenação, mas pela confiança , revelação e manifestação do Espírito, “para que Cristo evidencie através deles sua graça, seu poder, sua vida e bênçãos”. Já que “são chamados e enviados unicamente por Deus, na graça operante de Cristo, agem no poder e na certeza do Espírito Santo. São pessoas nascidas de novo, de corações renovados que edificam o reino de Cristo.”
Schwenckfeld afirmava que o batismo não salva e que para ser salva uma pessoa não precisava ser batizada, mas ao mesmo tempo ensinava que depois de se fazer confissão pública a pessoa deveria ser batizada e que crianças de berço não têm fé, portanto não devem ser batizadas.
Os ensinamentos de Schwenckfeld chamaram a atenção do rei Ferdinando que o acusou de desprezar a ceia do Senhor e foi obrigado (1529) a deixar sua terra natal onde era muito estimado. Os próximos trinta anos de sua vida Schwenckfeld viveu errante, perseguido pela igreja luterana, que o declarou herético, o que não impediu o surgimento de novos grupos que concordavam com seu ensinamento, especialmente no sul da Alemanha, onde alguns dos príncipes o protegiam.
Nota do tradutor: Como o leitor pôde perceber, os Irmãos que diziam manter a fé apostólica desde a época do apóstolo Paulo, foram revigorados através de Pedro Waldo (1160), e, além de permanecerem fieis nos vales e montes da Itália e da Suíça, foram revigorados com a pregação de Wycliff, na Universidade de Oxford onde seus seguidores foram chamados de lolardos; depois chamados de hussitas, devido a John Hus, anabatistas, apelido que ganharam dos reformistas, e menonitas, devido a Menno Simon. Como o leitor pôde perceber, a igreja evangélica passou ao largo da Reforma de Lutero, o que implica dizer que os evangélicos não são reformistas, mas guardiões da herança apostólica.
* Geschichte der Alt-Evangelischen Mennoniten Brüderschaft in Russland, P.M. Friesen
* Fundamente der Christlichen Lehre u.s.w. Joh Deknatel
* Geschichte des Christlichen Lebens in der rheinisch-westphälischen evangelischen Kirche, Max Goebel
* Schwencfeld, Luther um der Gedanke einer Apostolischen Reformation, Karl Ecke.