Sendo que as epístolas de Paulo de Tarso foram escritas em língua grega, a palavra fé (fides em latim) aparece como pistis, cujo verbo é pisteuein. Infelizmente, não existe em latim um verbo derivado do substantivo fides, e assim, os tradutores latinos se viram obrigados a recorrer a um verbo de outro radical para designar o ato de “ter fé”. Este verbo latino é credere, que em português deu “crer”.
Mas o sentido de “crer” não coincide com o de “ter fé”. “Crer” designa algo vago, incerto, nebuloso, ao passo que ter fé, fides, é ter fidelidade, estar harmonizado, sintonizado. Pisteuein, ter fé, designa um estado de alta fidelidade ou harmonização entre a alma humana e o espírito de Deus – que é a idéia do ajustamento. Neste sentido, é exata a expressão “o justo vive de fé”, mas não no sentido de “crer”. “Quem crer será salvo, quem não crer será condenado”, isto é absurdo e blasmo, se traduzirmos pisteuein por “crer”, como é de praxe. Mas é razoável se dissermos “quem tem fé”, ou fidelidade, porque o ajustamento é a salvação.
Além disto, a palavra grega dikaiosyne, em latim, justitia não coincide com a nossa palavra justiça, nem a palavra justificatio equivale a “justificação”, que,m em nossa língua, representam um processo meramente legal ou social. Justificatio é o ato de estabelecer uma atitude de justeza ou correto ajustamento entre o homem e Deus.
O equívoco sobre “ter fé”, e “crer”, a confusão entre “justificação” e “ajustamento” originaram uma verdadeira tragédia espiritual através dos séculos. Aqui se verificou mais uma vez que “a letra mata, mas o espírito dá vida”; a tradução literal matou o sentido espiritual.
Fonte: Texto extraído do livro Paulo de Tarso, de Huberto Rohden, Editora Martin-Claret, página 262.
A melhor biografia que já li sobre Paulo, o apostolo.