Escrevo este artigo enquanto aguardo a chamada de meu vôo. Está bem atrasado. Assim, nada melhor do que visitar a livraria do aeroporto e ficar em dia com os últimos lançamentos. Chama a atenção a grande quantidade de livros inspirados na pessoa e vida de Jesus Cristo. Fórmulas de sucesso empresarial, dicas de auto-ajuda, e etc. e tal. Noto, surpreso, que não há um título sequer tratando da missão principal de Jesus.
Os escritores de sucesso – evangélicos ou não – apresentam Jesus como fonte de sucesso e poder. As equipes desses escritores – sim, porque os escritores americanos que os tupiniquins lêem não escrevem, eles apenas revisam o que os membros da equipe escrevem. Eles não se dão ao trabalho de sentar ao computador, escrever, pesquisar e trabalhar duro. Seus colaboradores editam as palestras e são remunerados para escrever – vivem à cata de frases célebres, de frases de efeito, de fórmulas filosóficas para impressionar os leitores e ouvintes.
E vendem muito. Porque escrevem o que o povo quer ler e ouvir. O Jesus de sucesso atrai ricos e pobres, iletrados e cultos. Esses escritores são tão bons que conseguem ver sucesso onde aparentemente houve fracasso. Sim, porque pelos padrões humanos, Jesus não foi um sucesso.
Por refletir este tema, quase entrei em crise. Já passei pela crise da meia-idade, pela crise de vocação (ser profeta ou pastor presidente?), crise de chamamento, crise de revelação, e não esperava outro tipo de crise. Felizmente dessa saí ileso. É que depois de ler tudo sobre os místicos da igreja e sua vida de intimidade com Deus comecei a ouvir e ler os maiores vendedores de livros evangélicos, a fórmula pronta de sucesso e, semelhantemente a Asafe (o Asafe da Bíblia) tinha inveja deles: não se preocupam com dinheiro, vivem na abastança, são famosos, não lhes faltam convites e nem precisam deles… E passei a me questionar – aí a quase crise – se eu estava atrasado no tempo, teologicamente desatualizado, se não deveria mudar o teor dos sermões, de começar a pregar mensagens de prosperidade, de sucesso. Mensagens que levantem as pessoas de sua condição disto ou daquilo. E com tantos textos e relatos bíblicos não faltam sermões para agradar qualquer auditório.
Até me solicitaram que pregasse alguns sermões sobre autoconfiança, auto-ajuda, pregações que ajudassem as pessoas a se valorizarem como cristãos; ajudando os crentes a não se rebaixarem para o mundo, a erguerem a cabeça, a vencerem obstáculos, coisas assim. Preparei os tais sermões e os preguei. E gente, é preciso esclarecer que existe lugar para este tipo de pregação, que Deus mesmo se encarrega de levantar a auto-estima do povo; mas a maioria dos pregadores está exagerando, esquecendo das demais implicações do evangelho de Cristo na vida do cristão.
O Jesus que todo mundo gosta vem sendo apresentado como fórmula de sucesso em livros e DVDS que ocupam as prateleiras das livrarias. A maior parte produzido por pregadores norte-americanos que invadiram o mercado brasileiro com fórmulas de sucesso – Pudera! Com a vida que levam na América só podem falar de sucesso, nunca de cruz! Já vivi na América e sei do que estou falando.
E nós os tupiniquins que temos de suar a pestana na frente do computador para escrever, que não conseguimos vender como eles porque costumamos ministrar no meio de gente simples e pobre; nós que andamos por vielas e ruelas mal-cheirosas de algumas vilas; que subimos e descemos morros por becos em que não se pode ir de carro; que pregamos em igrejinhas pequenas e ficamos constrangidos em receber ofertas de pessoas tão pobres; que ainda achamos que a vida cristã é de renúncia, de dedicação aos pobres, de amor à vida; que levamos pessoas a hospitais, que as socorremos de madrugada; que somos assaltados a qualquer hora do dia quando levam nossos bens, nosso carro, o celular, a carteira, os documentos; que ficamos sob a mira de armas de fogo – e eles vêm aqui pregar que cristão não pode sofrer revide do diabo; nós que ainda cremos em cruz, em sacrifício pelo reino de Deus, recebemos dos nossos amigos norte-americanos o desafio de sermos prósperos e ricos, se seguirmos atentamente as 10 leis; os 7 passos; as 21 leis disto ou daquilo e se seguirmos atentamente nosso líder Jesus e a rota do sucesso…
Nós que somos chamados para expulsar demônios a qualquer hora; a socorrer famílias em crises; a jovens desesperados, drogados, somos conclamados a ler e a seguir as leis de sucesso dos líderes americanos. Sua igreja pode crescer e triplicar em um ano se seguir os conselhos dos Bill, dos Rick, dos Maxwell, dos Meyer… Queria ver esses promotores de sucesso pregando o evangelho nas cidadezinhas do interior do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais ou do agreste do nordeste; queria vê-los enfrentando governos espirituais que dominam historicamente certas cidades… queria vê-los lá onde as fórmulas de sucesso não funcionam!
Assim, meus amigos, decidi que vou continuar pregando como venho fazendo nesses 44 anos de ministério. Pregando a necessidade de arrependimento, de confissão de pecados, de quebrantamento, de mudança de vida; de qualidade de vida; da necessidade de sermos como Jesus, imitando-o em palavras e obras. E a cruz faz parte do discipulado a Cristo.
Você já os ouviu falar da cruz? Eu ainda prefiro a cruz. A melhor fórmula de sucesso ministerial é a cruz, porque ali morrem nossas paixões, nosso eu desaparece deixando o espírito preparado para Deus agir e cumprir em nossa vida seu querer.
Bem. Estão chamando meu vôo. Atrasou duas horas. Felizmente retorno pra casa, pro sorriso da esposa, pro abraço caloroso dos netos… Para o seio da igreja que tanto amo! Ao subir a bordo livro você de ser crucificado por tantas palavras.