O inverno da nossa desesperança

John Steimbeck escreveu seu famoso romance em que tratava da colonização da Califórnia e descreveu a morte e o desespero dos colonizadores naquele tempo. Aliás, Steimbeck escreveu outros livros sobre a antiga Califórnia, como A Leste de Éden – e se tornou meu autor preferido.

Tomei emprestado o título a propósito do inverno rigoroso que assola a região sul do Brasil. Este inverno mostra o despreparo dos governantes para enfrentar os meses de frio. As casas são gélidas e o governo não distribui gás para calefação das casas. Sente-se tanto frio dentro de casa quanto fora dela. As cobertas parecem úmidas; os dedos dos pés e das mãos se enregelam e a quantidade de agasalhos deixa o pobre mortal como múmia, inerte. Cessam as caminhadas pelo parque e só se sai a noite se os compromissos não puderem ser adiados. No meu caso, todas as noites, debaixo da garoa fria, do sereno e do ar gelado é preciso sair para atender os compromissos da igreja.

Cheguei à conclusão e recomendo que todas as atividades públicas sejam repensadas, como cruzadas de evangelização, conferências debaixo de lonas e cultos de meio de semana, porque os templos não são preparados para o frio – nem para o calor. Realizei no fim de semana mais frio do Estado um curso de aperfeiçoamento para os professores de escolas bíblicas, e os poucos participantes  congelariam durante as palestras não fosse a habilidade das dinâmicas de grupo dos preletores.

Decidi, assim, que os cultos da terceira idade retornem em Setembro com a chegada da primavera, e, para o próximo ano não me atreverei a marcar treinamentos nos meses de junho a agosto – porque nunca se sabe quão inclemente será o inverno, que tira toda nossa esperança!

O inverno da nossa desesperança acena com frio, gripes, resfriados e faz tremular ao longe a flâmula da morte. O inverno desesperador conflita com a falta de um sistema de saúde adequado: Em Porto Alegre não existem vagas nos hospitais, nem para quem paga planos de saúde. Ficar doente nesta nação durante o inverno é se expor ainda mais aos perigos de enfermidades e mortes, porque não existe esperança para o povo num governo que não sabe gerenciar os recursos dos impostos. Com os hospitais lotados, as emergências atopetadas até pelos corredores, entrar num hospital é acelerar o processo de morte. Ora, se com todo o aparato médico e os melhores hospitais os ex-presidentes e as pessoas ricas e abastadas morrem, – cercados de todo cuidado – o que sobra para o pobre que tem de colocar jornais nas frestas das madeiras para impedir a entrada do vento frio?

É por isso que considero o povo do nordeste e do norte uns privilegiados. Os pobres de lá conseguem viver melhor que os pobres daqui, porque não têm o inverno da desesperança a soprar-lhes com vento frio as portas de suas choupanas. Enquanto nós trememos de frio debaixo de grossos agasalhos, nossos irmãos nordestinos estão se bronzeando ao sol, tomando água de coco, sorvete de açaí e, nas horas de lazer se espreguiçam vagarosamente em suas redes. Sei disso porque faz quinze dias que lá estive a serviço e pude caminhar sob o sol tórrido das oito da manhã pela praia da Boa Viagem no Recife.

O povo do nordeste e do norte é povo privilegiado com árvores frutíferas que só eles têm! Além de que podem cultivar a roça, criar animais domésticos, lançar o anzol ao mar e, podem dispor, se assim o quiserem de apenas duas mudas de roupas; uma no varal e a outra no corpo, enquanto nós aqui do sul precisamos de um vasto guarda-roupa para as quatro estações do ano.

E fico com pena dos irmãos do nordeste e do norte que aqui ficam estacas. Mas, é gente guerreira que logo se adapta ao frio.

O pior inverno é o da desesperança, que perdura faz anos no Brasil, em que não se vê perspectivas de uma primavera e verão quentes. Com tantas riquezas ainda somos o povo que mais sofre no continente americano. O sistema previdenciário é falho, o sistema de saúde ineficaz e a distribuição de renda deixa a desejar. John Steimbeck bem que poderia estar vivo e escrever também sobre o inverno da nossa desesperança! Certamente ele visitaria os acampamentos dos sem-terra, dos sem-teto e, diferentemente do povo que correu do centro-oeste para a Califórnia, escreveria o terceiro volume da série!

Faz anos que estamos esperando a primavera chegar sobre a nação brasileira, mas os governos incompetentes e corruptos são como barreiras naturais que impedem a chegada do calor!

5 thoughts on “O inverno da nossa desesperança

  1. Há quem prefira o frio do sul seu aconchego, há quem prefira o calor do norte e seus mosquitos. Em todo lugar há o bom e o ruim, quem goste e quem não goste. O visitante brasileiro na Europa fala: que lugar lindo, que riqueza, que cultura! Mas depois de um tempo sente a falta do calor latino, e mesmo do feijão de cada dia. Como vi alguém dizer um dia, “Deus não te jogou ao vento, ele te pôs onde você está por um motivo, para que você cresça ali, mesmo que Ele pretenda te arrancar algum dia”.

    Estou em Cuiabá. Aqui é MUITO mais quente que o sul, e os pacientes de prontos-socorros ficam sem atendimento em salas onde faz 45ºC, sem ventilador. A frieza de coração é geral, pois no sul os “responsáveis” pela saúde se aquecem em enormes lareiras, aqui eles têm casas inteiras climatizadas. E muitos vão à Europa quando o clima aqui está desagradando. Os pobres ficamos, como Jesus ficou também, para dizer aos sofridos que continuem sendo flores, apesar dos espinhos dos outros.

    Abração!

    1. Fabrizio: Enquanto no Sul o inverno traz desesperança, no centro-oeste o forte calor faz o trabalho inverso. Já estive aí e passei tanto calor… Os pobres daí sofrem com o calor tanto quanto aqui os pobres sofrem com o frio!

  2. Privilegiados são os sulistas. Quem dera o Brasil inteiro tivesse as 4 estações como as do sul (principalmente o inverno). Há até um movimento sulista para se separar do restante do país.
    Quem sabe assim, os Estados do Sul se desenvolvam à luz de sua cultura e riqueza tão peculiares.

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