Um amigo me solicitou que eu fizesse uma análise da igreja brasileira. Ele me pediu que escrevesse resumidamente minha trajetória das últimas décadas até aqui; queria ter uma perspectiva de onde nos situamos no cenário brasileiro e para onde vamos como igreja nos próximos anos. É o tipo de análise a ser feita por sociólogos cristãos e por pastores mais experientes e historiadores, quiçá com maior cátedra, mas atrevi-me a escrever analisando este quadro espiritual, afinal, depois de anos de ministério servindo ao povo brasileiro, atravessando quatro décadas de pregações e circulando entre as principais denominações brasileiras, e como um dos fundadores da primeira comunidade cristã em 1975 é possível apontar, aqui e ali alguns acontecimentos que nos permitem indicar os rumos que tomamos apontando a tendência da caminhada da igreja para os próximos anos.
A análise que aqui faço é resumida e se restringe à perspectiva histórica de meu ministério e de meu segmento ministerial. Não posso abordar a história da igreja brasileira das últimas quatro décadas como um todo, mas posso falar de uma pequena fração – algo como um gomo, dentre tantos que possuem uma laranja; restam ainda muitos gomos…
Em 1973 escrevi o livreto Para Onde Vai a Renovação? Um tratado que apontava a direção que a igreja estava seguindo e, que, segundo minha perspectiva na época, apontava para o surgimento de uma igreja mais dinâmica, menos denominacional e pura. Relendo o que escrevi aos 27 aos de idade descubro que, em parte acertei e em parte errei. Acertei, porque escrevi ainda tão jovem indicando a tendência para o surgimento de uma igreja forte no cenário brasileiro – quem sabe o sonho espiritual que acalentava; errei porque não vi que o surgimento de grupos neopentecostais sem uma ortodoxia bíblica haveria de pulverizar, nos anos seguintes tão profundamente a presença evangélica na nação.
Depois, na década de 80 escrevi um tratado intitulado Para Onde Vamos Como Igreja no Brasil? Em que apontava soluções e saídas para a igreja no decênio seguinte. Usei-o no grupo que eu pastoreava e em pequenos grupos caseiros, mas nunca o publiquei. Na ocasião teci comparações entre o período que vivíamos e o período de Wycliff e os Lolardos na Inglaterra; aqueles estavam no “sistema”, romano, mas dele não faziam parte. Nós estávamos tentando ser igreja num sistema falido de igreja. Assim como os lolardos e tantos cristãos daquele período tentaram reformar a igreja institucional, sem precisar sair do seio dela, éramos nós. E não tivemos sucesso em tentar reformar a denominação. A rigidez do sistema denominacional do passado expulsou de seus quadros muita gente boa!
Meu amigo, então, percebeu que estou refletindo e pensando a igreja brasileira desde muito cedo – desde julho de 1969 quando passei a ver a universalidade da igreja, e a riqueza do corpo de Cristo espalhada por tantas denominações. Sim, porque neste ano passei a ter contato com os grupos renovados da Igreja Católica dos Estados Unidos, com a ADONEP de lá, com a JOCUM ainda incipiente, com a Cruzada Estudantil e Profissional Para Cristo e tantos outros movimentos. Foi durante este tempo que tive uma visão mais ampla e menos denominacional da igreja. Na realidade comecei a pensar a igreja anos antes deste episódio quando meus pastores me proibiam terminantemente de pregar em outras denominações da cidade. Não ficava bem para um jovem pastor ser visto entre outras igrejas, diziam. Eu passava diante dos templos de outros grupos e os ouvia entoando os mesmos hinos, usando a mesma Bíblia e pregando a mesma mensagem. O que estava acontecendo?
Corria o ano de 1973. No ano anterior eu havia organizado as conferências de David Wilkerson em nove cidades brasileiras e fiz amizade com os principais líderes denominacionais do Brasil. Neste tempo, jovem, ávido por avivamento e reforma, escrevi um livreto que provocou um rebuliço na igreja em que estava, usado como desculpa para me proibirem de pregar na denominação – neste caso em Porto Alegre. Fui execrado sem dó e piedade, e fiquei sentado nos bancos da igreja da Rua General Neto durante um ano. Proibido de falar, não me restou alternativa senão a de continuar exercendo o ministério profético que Deus me havia concedido ainda bem jovem. Na ocasião, parti para a ação. Tinha convicções de que não podia ficar sentado num banco de igreja à mercê do autoritarismo eclesiástico.
E foi assim que, a partir de 1973 o bispo Don Arthur Kratz primaz da igreja Anglicana do Brasil passou a me convidar constantemente para pregar nos cultos da igreja episcopal. Meus irmãos metodistas me estenderam a mão e passaram a me levar para pregar em seus cultos e celebrações. E assim pregava nas Igrejas O Brasil para Cristo, no Evangelho Quadrangular e em outras Assembléias de Deus consideradas “excluídas”. Cresceu dentro do jovem entusiasta a visão de que havia uma igreja maior, mais ampla, que não estava limitada a um segmento evangélico. Quero que o leitor acompanhe um pouco desta história brasileira.
Até a década de 1960 quando pessoas recebiam o batismo no Espírito Santo eram praticamente forçadas a se tornarem membros da principal denominação pentecostal da época, as Assembléias de Deus. Mas, o quadro mudou.
Mudança de quadro
Algumas denominações da igreja brasileira, a partir da década de 60-70 experimentaram uma renovação espiritual, com o batismo no Espírito Santo, o falar em línguas, a crença nos dons espirituais e com a revitalização da fé em todos os sentidos. Durante duas décadas, acontecia o mesmo fenômeno: Quando o avivamento chegava, grupos de crentes e por vezes igrejas inteiras eram excluídas da igreja maior, da convenção, do concílio, do ministério ou do presbitério, conforme o nome que se dá em cada grupo. Exemplos disso foram os batistas, metodistas, presbiterianos, luteranos e em menor escala os anglicanos.
Os excluídos, em sua maioria passaram a formar novas denominações. Os batistas foram forçados a criar uma nova denominação, a dos batistas renovados, posto que não eram mais aceitos na convenção original Batista, apesar dos apelos dos líderes da época, como José Rego do Nascimento e Enéias Tognini, para citar apenas estes dois servos de Deus; os Metodistas que se renovaram no Rio de Janeiro, seguiram a liderança de Jessé Teixeira de Castro, e criaram a Metodista Wesleiana.
Na década dos anos 1970 muitos outros irmãos que como resultado da renovação espiritual foram excluídos de suas igrejas locais, abriram espaço para a criação das comunidades cristãs, nome primeiramente dado em 1975 em Porto Alegre (com forte penetração de metodistas, anglicanos, batistas e presbiterianos), e logo em seguida em Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro. Não quero ser injusto com meus colegas dessas cidades, verdadeiros servos de Deus.
Na década de 1980 os luteranos no RS e SC – especialmente da ala da IELB foram forçados a deixaram a denominação – no sul – criando a luterana de renovação, que depois se aninhou nos braços de alguns líderes fortes desmembrando-se em vários grupos no Sul.
O surgimento das novas igrejas ou comunidades cristãs abrigaram em seu seio os novos irmãos renovados vindos de várias vertentes evangélicas, como é o caso da Comunidade de Porto Alegre – antiga Seara Latina – formada por metodistas, luteranos, anglicanos e batistas, em sua maioria. Porto Alegre e suas comunidades influenciaram no surgimento em todo o Brasil de novos grupos que surgiram espontaneamente.
A renovação carismática, como era conhecida na época – não dos católicos, mas a renovação dos evangélicos mantinha algumas características das dos irmãos renovados batistas e metodistas da década de 1960-1970: uma volta à palavra de Deus, a vida de santificação, pastoreamento, discipulado e vida cheia do Espírito. Os irmãos encontraram, por assim dizer, o propósito eterno de Deus: ter uma família de muitos filhos semelhantes a Jesus! Daí a busca do verdadeiro caráter de Cristo na vida dos discípulos.
Esta busca por Deus deu origem a líderes que buscaram uma nova liturgia e novos cânticos influenciado todo o corpo de Cristo no Brasil. Quantos nomes famosos hoje são frutos diretos e indiretos daquele avivamento. Como frutos indiretos me refiro aos discípulos daqueles líderes que surgiram Brasil a fora. Os anos de vida e vigor de meu ministério foram gastos viajando pelo Brasil iniciando novas comunidades onde houvesse um grupo avivado, desprezado por sua denominação.
Inicialmente funcionando apenas como grupos ou irmãos renovados, a partir da década de 80 as comunidades cristãs foram encontrando, em cada cidade, sua própria identidade, formando diversas correntes que desaguaram em várias novas denominações.
Se antes os líderes dessas novas igrejas encontravam lugar de comunhão nos encontros de líderes de sua denominação, agora ausentes dela passaram a sentir um vazio de comunhão. A busca de uma identidade cristã e de comunhão com outros líderes que estavam experimentando a mesma renovação, forçava esses irmãos a terem reuniões freqüentes – e para isto se deslocavam de toda parte – para se encontrarem com irmãos e líderes da igreja de várias cidades. Quanto anelo divino nos dominava! Viajávamos milhares de km para nos encontrarmos em algum lugar do Brasil para tratar dos rumos da igreja. Reuníamo-nos duas vezes ao ano trocando idéias, traçando rumos, examinando perspectivas, na busca de uma identidade nova para nossas emergentes igrejas. Em pouco tempo as reuniões passaram a ter um caráter internacional, congregando líderes de outros países com o mesmo propósito. Com eles aprendi a refletir a igreja.
Alguns anos depois esses líderes encontraram seu próprio destino, seguindo por trilhas diferentes. A partir da década dos anos 1990 as igrejas influenciadas por esses líderes passaram a seguir a linha ou a orientação de seu líder forte. Prevaleceram as idéias de uns sobre os outros, líderes mais fortes foram descartando os demais, criando-se, a partir daí, novas denominações – palavrinha odiada naquele tempo – hoje bastante visíveis no cenário nacional. Descobriram os líderes precisavam organizar suas igrejas e, perdendo o medo da “denominação” começaram suas próprias organizações.
As reuniões de reflexão e de busca foram diminuindo e líderes fortes passaram a impor sua personalidade dando cara nova ao seu movimento. Os demais que continuaram a se reunir, ainda que se diziam não denominacionais formaram uma denominação subjetiva, em que pastores e líderes em várias partes do Brasil se submetem à autoridade deles, assunto para estudo mais profundo. Muitos dos que trabalhavam juntos separaram-se, cada um deles formando sua nova igreja, ou denominação. A corrente original que se diz “não denominacional” por não ter um nome único, em tese, formou uma das maiores denominações sem nome do país. Objeto de análise à parte.
Na década de 90 as grandes igrejas renovadas do país, cada uma de per si, passou a seguir seu próprio rumo. Este ciclo de igrejas renovadas que saíram de grupos contrários à renovação começou a se fechar lentamente entre 1995 e o ano de 2000. Isto é, a partir daí foram raros os casos de irmãos excluídos de denominações tradicionais ou de rompimentos com as denominações históricas tendo como motivo a renovação espiritual. Uma nova fase entrou na igreja brasileira.
Fecha-se o ciclo
A partir de então, grupos renovados passaram a coexistir pacificamente dentro das denominações tradicionais – batistas, metodistas, anglicanos, presbiterianos e luteranos – não havendo mais necessidade da formação de novas comunidades ou igrejas. Com o fechamento do ciclo (renovação, seguida de exclusão e da formação de novo grupo), igrejas inteiras passaram a ter uma nova identidade eclesiástica dentro da própria denominação. Assim, no cenário brasileiro é possível encontrar grandes igrejas que se renovaram e continuaram na Convenção Batista Brasileira, fazendo parte do Sínodo Luterano, do Presbitério Presbiteriano e de alguma Região Eclesiástica Metodista – com raríssimas exceções os anglicanos. Esta mudança eclesiástica deteve as divisões, e é possível dentro de um mesmo sínodo encontrar luteranos que aceitam batismo nas águas e no Espírito Santo sem a necessidade de divisões; presbiterianos e anglicanos renovados, fazendo parte da igreja histórica. E sinto-me à vontade para falar sobre isto porque sou convidado a pregar entre os luteranos, congregacionais, metodistas e batistas e outros grupos históricos.
A partir do ano 2000 – ao que parece – a igreja brasileira entrou definitivamente numa outra fase. Não se deve atribuir esta fase ao novo milênio, como se este exercesse papel importante na igreja, mas a algo de cunho meramente espiritual. Claro, é preciso levar em conta a tendência mundial da universalização da religião – todos precisam de uma religião – e da política, da tecnologia, da penetração na teologia ortodoxa de novos elementos místicos, esotéricos, filosóficos e materialistas, que refletem na igreja e na sociedade alguns sintomas.
A partir do novo milênio é possível perceber a infiltração de elementos na igreja deixando-a mais universalizada com as demais religiões mundiais. Analisemos alguns sintomas que podem ser vistos como positivos ou negativos, dependendo da ótica de cada historiador.
Primeiramente o efeito do avanço tecnológico como um todo.
O avanço tecnológico é uma das portas de entrada de novos elementos na igreja. A tecnologia tem seu lado positivo porque uniu ao redor do globo o povo de Deus espalhado pela terra. Possibilitou maior avanço nas missões mundiais, maior rapidez na evangelização, uma maior comunicação entre as pessoas, seja através de sites, blogs, e-mails, e mensagens on-line, comunicação instantânea entre pessoas e entre os líderes da igreja ao redor do mundo, mas contribuiu negativamente em dois aspectos: afetou a vida comunitária, isto é a koinonia entre os membros da igreja e abriu canais para a entrada de novas idéias e heresias doutrinárias.
Antes o relacionamento entre os irmãos tinha como base a igreja da localidade, pois era na igreja que se encontravam durante a semana e aos domingos comungando a mesma fé, partilhando dos mesmos problemas e soluções, vendo as mesmas pessoas, ouvindo o mesmo pastor e pregador, exceção apenas quando a igreja recebia convidados de fora.
O aspecto negativo é que a tecnologia contribuiu para aprofundar o privatismo entre os cristãos. Porque, se antes o espírito de coletividade se restringia à igreja da localidade, hoje a Internet abriu as portas da igreja – dos lares – em que os cristãos têm acesso, como a um grande mercado a todo tipo de ofertas, pregações, livros, vídeos, e podem escolher entre as mensagens da televisão e os cultos transmitidos via WEB. Por que se deslocar até o local do culto, buscando vagas em estacionamentos, sujeito a assaltos e roubos, assistindo cultos em que o som faz rebentar os tímpanos, se em casa pode-se dispor de cultos on-line? Ao dispor de uma variedade de música, pregações e de cultos on-line, os cristãos acedem ao apelo dos pregadores on-line e desviam os recursos que antes era para a igreja local, para a manutenção dos tele-evangelistas. Este é um tema exaustivo que alguns escritores estão analisando com maior profundidade. Além da comunhão, do aperto de mão, do beijo e do calor da amizade que se esvai pelas ondas da WEB. Os cristãos de hoje vivem isoladamente dos demais irmãos e mantêm uma comunhão virtual sem o calor humano tão presentes no dia a dia da vida da igreja.
E abriu as portas para a entrada de novidades e heresias doutrinárias. A igreja foi afetada em sua doutrina, na sua liturgia e no seu estilo de vida na sociedade.
A doutrina. Uma descaracterização da ortodoxia, isto é, um relaxamento ou pulverização das regras de fé, antes defendidas a “unhas e dentes”. Aspectos doutrinários, ou de ensinos ficaram pulverizados com a pluralidade doutrinária, pluralidade de pensamento e com a secularização da teologia. Até mesmo denominações pentecostais históricas como as Assembléias pode Deus tornaram-se pluralistas sob vários aspectos. Algumas aceitam o divórcio, outras o repugnam – para citar um exemplo. Algumas têm grupos de danças em sua liturgia, outras cultuam a Deus como faziam 80 anos atrás. Até mesmo na teologia existem diferenças.
Liturgia. Uma pulverização da liturgia. A igreja ao longo dos séculos sempre introduziu novos elementos em sua liturgia, nestes últimos anos, porém, a igreja submeteu sua ortodoxia litúrgica a novas influências, algumas igrejas até desprezando a hinódia tradicional e centenária que regia os cultos e a vida da igreja. Se por um lado os novos elementos litúrgicos, como bandas, 40 ou 50 minutos de cânticos, danças e teatros reativaram os cultos, por outro certas características foram lentamente desaparecendo, como a importância da pregação, reverência e ordem nos cultos.
Danças. Esta pulverização – até certo ponto com perda de identidade – trouxe para os púlpitos e palanques a entrada de grupos de danças, ou adoração artística. Algumas igrejas vêem nisto uma necessidade; outras utilizam grupos de danças apenas em festas ou celebrações especiais. A maioria faz das danças uma rotina igualando-as aos cânticos e orações. Alguns vêem perigos neste novo elemento que poderá descaracterizar o culto a deus.
Instrumentos musicais. O uso de apenas um trio de instrumentos – bateria, guitarra e baixo – o desprezo ou alienação dos pianistas e organistas em troca de tecladistas que apenas tocam cifras, e não melodias, trouxe para os cultos uma liturgia limitada a estes instrumentos – sem o toque litúrgico tão comum ao som do órgão e do piano, de instrumentos de sopro e outros de cordas, como o violino e seus semelhantes. Agregue-se a isto a infiltração de músicas e letras repetitivas, sem rimas, métrica e poesia. Além dos mantras que levam as pessoas a alucinações mentais, confundidas com experiências espirituais. Etc.
Mensagens de auto-ajuda. A falta da pregação expositiva bíblica em troca de mensagens apenas tópicas; o desaparecimento das pregações doutrinárias em troca de mensagens positivistas e de auto-ajuda e a falta de conhecimento bíblico vêm dominando até mesmo o púlpito das igrejas históricas. Questionam alguns se o verdadeiro cristão precisa de mensagem de auto-ajuda; de ser embalado em sua psique, em sua alma, ao som de novos acordes. A mensagem de auto-ajuda ofuscou a mensagem da cruz.
O avivamento das décadas de 60-70 trouxe o povo de volta à palavra de Deus, como todos os avivamentos bíblicos da história o fizeram. O atual movimento – que não é avivamento – não está levando o povo de volta à palavra, mas ao sensacionalismo, à busca de prazer, à prosperidade e a individualização da fé. São coisas que devem causar preocupação, pois que afetará as próximas gerações.
Neste caso, a liturgia também foi afetada pela influência dos pregadores televisivos que deixaram o povo exigente quanto a pregações, levando-o a desprezar as mensagens expositivas, difíceis de serem pregadas na televisão pela limitação do tempo, mas tão necessárias para o entendimento da palavra de Deus.
Conseqüentemente ouvem-se sons de uma exacerbação da mística e da fé que passaram a ter preeminência sobre a Palavra de Deus. A busca pela renovação espiritual sem o prumo da palavra de Deus vem levando os crentes a desprezar o ensino da cruz e do sofrimento na vida cristã. Cruz e sofrimento ficaram no passado da igreja, a nova “onda” espiritual é a de amar a prosperidade e o sucesso. Até mesmo pregadores antigos tidos como profetas de Deus aderiram a esta nova mensagem, e ficam horas inteiras levantando dinheiro e tirando ofertas do povo com a mensagem da prosperidade, em que somente prospera o pregador… a ganância de Balaão não tem limites. Os gananciosos são pastores e líderes que convidam pregadores “sapatinhos de fogo”, artistas e jogadores famosos, pois que os pastores também estão afetados pelo espírito de Balaão e querem lucrar com este tipo de ministério…
O Esoterismo evangélico. A falta da palavra de Deus como mensagem expositiva vem levando sutilmente os crentes a viverem um privatismo, o pluralismo e o secularismo como normas da vida cristã. Três temas mui bem dissecados pelo escritor Os Guines na década dos anos de 1980. O privatismo leva o cristão a viver em torno de si mesmo; o pluralismo leva-o a aceitar elementos de filosofia e a idéia de aceitação de tudo e de todos na igreja; e o secularismo invadiu a teologia com a filosofia e com os conceitos da psicologia moderna na educação e no ensino das crianças e dos adultos, e na pregação do evangelho.
A ausência da palavra de Deus vem formando uma igreja com comportamento e práticas esotéricas que dá poderes a elementos místicos, em nada se diferenciando do mundo e das religiões místicas ao seu redor. O esoterismo evangélico concede poderes aos óleos “consagrados”, a água e ao sal, como se o poder de Deus se limitasse a objetos e a práticas veto-testamentárias.
A falta de uma exegese bíblica verdadeira permitiu o surgimento de uma igreja com práticas judaizantes, celebração de festas judaicas, a observação de dias e datas especiais dos judeus, roupas, a bandeira de Israel hasteada nos púlpitos, confundindo o natural com o espiritual, e peregrinações a lugares históricos, considerados “santos” em que tais práticas e guardas de datas passaram a ser a essência da fé, o propósito da igreja, acima da própria palavra de Deus. Escrevo sobre isto num capítulo de meu novo livro de batalha espiritual: Guerra Espiritual e Esoterismo.
Análise contemporânea
O surgimento de denominações não ortodoxas na doutrina, com pregações baseadas quase sempre em elementos do AT desprezando o ensinamento apostólico ou o didaskalós das epístolas. O surgimento e o rápido crescimento de denominações não ortodoxas na doutrina, aliados ao poder de comunicação pela mídia trouxe alguns resultados que poderão, ao longo dos anos serem maléficos. Se pelo menos o apostolicismo de hoje recuperasse as práticas doutrinárias perdidas, teríamos dado um grande passo na construção de uma igreja santa. A seguir, convido o leitor a analisar comigo alguns desses possíveis malefícios:
O primeiro deles é o espírito de competição provocado pelos novos evangélicos. Grupos outrora ortodoxos passaram a cultuar e a ter reuniões semelhantes aos grupos neopentecostais, para angariar novos membros. Especialmente as reuniões de libertação, uma marca registrada dos pentecostais clássicos em que esses irmãos assimilaram e imitam de maneira grotesca os neopentecostais visando obter maior freqüência, assiduidade dos fieis e mais dinheiro. As antigas reuniões de oração e libertação que serviram de elementos-chave no crescimento da igreja, cederam ante o espírito de competição a esses grupos. As reuniões de libertação em que a ênfase era a oração, a pregação e a novidade de vida cederam lugar ao ensino da prosperidade, da mensagem que leva o pecador a se sentir bem, amado por Deus, podendo viver a fé de forma bem pessoal, sem pressão nem compromisso.
O segundo resultado maléfico é o afrouxamento do ensino, da sã doutrina apostólica, que deve ser interpretado como ensinamento, estilo de vida, ou o didaskalós, que os apóstolos tanto enfatizavam. Uma vida de ordem na família e na sociedade; um ensinamento sobre o relacionamento do cristão com o mundo ao seu redor. Ética. Caráter. Estilo de vida santo. O surgimento de uma nova safra de cristãos que não se compara aos cristãos da geração passada. A geração de cristãos honestos, comprometidos com a fé, de bons empregados e bons patrões; de famílias ordeiras e de lares disciplinados vem sistematicamente desaparecendo. Em seu lugar surgiu uma geração que vem transmitindo uma péssima imagem do que é ser cristão, de Deus, de Jesus e da Bíblia. Surgiu, em decorrência uma geração de cristãos desacreditada perante a sociedade e autoridades.
O terceiro resultado nada agradável é o que prega a necessidade de enriquecimento denominacional, o enriquecimento entre os membros e a conseqüente construção de templos e prédios grandiosos, frutos de um ensinamento megalomaníaco.
Paralelamente surgiu uma nova classe de evangélicos descomprometidos com a igreja local, afiliados a toda sorte de organizações para-eclesiásticas. Surgiu a vulgarização do evangélico. A igreja parou de ser renovada na essência da vida cristã, entrou num ciclo de romantismo espiritual, de experiências místicas que não em nada alterou o estilo de vida dos crentes. Estes passam a falar em línguas, a caírem no chão, a entoarem louvores, mas sem mudança interior de vida. Questão de caso de estudo para os teólogos. A igreja está passando por uma metamorfose negativa, isto é, em que a verdade deu lugar ao sofisma; em que o estilo de vida de caráter não se faz mais necessário como regra e conduta de fé.
Em quinto, este novo estilo trazido pelos neopentecostais fez surgir na sociedade uma nova classe de pessoas e de cristãos que, além da falta de compromisso com a igreja na localidade trouxe a idéia de que a igreja é mais uma opção entre as tantas existentes na sociedade quando se quer solução a algum problema da vida. Durante a semana o novo cristão recorre aos cultos das igrejas, tanto quanto busca na mesma semana um centro espírita, uma sessão de umbanda; uma missa católica e uma visita a alguma seita oriental.
O resultado é que, somados e multiplicados os malefícios, estes acabarão por formar nos próximos vinte anos uma igreja fraca, sem conteúdo teológico, apesar da multidão de fiéis, insípida e sem a graça divina. Se realmente fossemos tantos assim, o Brasil seria diferente. Talvez sejamos muitos como sal sem sabor.
Em sexto o neopentecostalismo provocou uma reação contrária em outros segmentos da igreja. Os que buscam em Jesus a essência da fé; os que querem viver o eterno propósito de Deus; os que se envergonham diante de Deus e dos homens da atual situação espiritual da igreja, passaram a abominar tudo o que soa a evangélico, ao que é cristão, ao pensamento denominacional, formando igrejas na tentativa de recuperar o fundamentalismo apostólico; tais irmãos se dizem não evangélicos; desprezam qualquer tipo de liturgia, reúnem-se em qualquer lugar e se fecham em torno de si mesmos e de sua doutrina. São exclusivistas em suas cidades; não participam de eventos ou de celebrações, e receiam e temem tudo o que vem da parte da atual igreja, a que eles chamam de grande Babilônia.
O lado positivo destes grupos reacionários que querem distância dos grandes conglomerados denominacionais e de denominações neopentecostais é que podem ter dado início à formação de um remanescente fiel a Deus – com ou sem intenção de sê-lo; da extirpação da mentalidade cultural da adoração em templos e grandes auditórios, da vida cristã simples e sem religiosidade exterior, reunindo-se em casas, garagens e praças. A ausência de elementos exteriores – especialmente na liturgia – aliado ao profundo estudo das escrituras, à vida de retidão, de santidade e de evangelização podem contribuir para o equilíbrio da balança espiritual da igreja. O lado negativo é que tais grupos tendem a não influenciar politicamente um bairro ou a cidade por achar que o “mundo jaz no maligno”, desprezando qualquer compromisso visível com as necessidades da sociedade, por não marcarem sua presença com um local de culto visível, através de templo ou de salão de reuniões no bairro. Isto é, por não terem um local próprio ou alugado para suas reuniões a multidão desses novos crentes, ou discípulos tende a passar desapercebida e ignorada pela sociedade.
Deve-se admitir que a presença de um espaço físico reservado para a celebração de cultos e de encontros exerce também grande influência sobre as autoridades e população de uma região.
Muitos dos que se renovaram na década dos anos de 1970 seguiram nesta direção; e, apesar de crerem ou de alimentarem a idéia de que não são denominações, formaram sub-repticiamente verdadeiras denominações em que o código de vida cristã e as diretrizes não estão escritas em atas ou estatutos, mas na mente dos seus líderes. Quando isto acontece, as chances de erro aumentam, pois o comportamento e o controle sobre a mente das pessoas é feito pelo autoritarismo e por interpretações bíblicas equivocadas; em alguns desses grupos todo e qualquer discípulo que discorde do seu líder é tido como rebelde e religioso. Os dois extremos, o legal e estatutário e o que está apenas na cabeça do líder são prejudiciais ao corpo de Cristo. Estatutos em demasia engessam o crescimento da igreja, e estatutos que existem apenas na mente dos líderes engessam a liberdade de pensamento dos cristãos.
A igreja brasileira deriva no oceano espiritual, sem Norte, sem direção por haver desprezado a bússola, que é a palavra de Deus, comprometendo-se com os sistemas políticos e sociais da nação. As grandes lideranças denominacionais vivem cevando seus títulos honoríficos, participando de esquemas políticos que fariam Paulo, o apóstolo corar de vergonha; outrora chamados por Deus para fazerem a diferença em sua geração, deixaram de participar das reuniões na sala do trono de Deus, quando ouviam do Eterno as diretrizes para a igreja, e passaram a participar de conchavos políticos, carregando consigo, ao lado da Bíblia, em que procuram se inspirar em José e em Neemias, o Príncipe de Maquiavel. E, sem perceber seguem os conselhos de Maquiavel, imaginando que o Príncipe tem razão, nas questões políticas. Assim, usam os conselhos de Maquiavel na política e os conselhos da Bíblia na igreja. Coxeiam entre dois pensamentos, e, sem se aperceberem deixaram de freqüentar a sala do Trono do Altíssimo, o Senhor e Rei, para se assentarem com aquele que faz oposição a Deus.
Cristãos ou pastores políticos que assim se comportam não se posicionam abertamente em questões como aborto, divórcios, homossexualismo, injustiças sociais, etc. por temerem o povo e seus pares. Em Brasília ou nas Assembléias Legislativas de seus Estados, da mesma maneira que faziam na administração de suas igrejas, pensam em si mesmos e no futuro financeiro de suas famílias.
Se os milhões de membros da igreja fossem sal, por certo questões como reforma agrária, habitação e saúde seriam imediatamente resolvidas. Um país tão grande deveria ter terra para todos; saúde para seu povo e habitação. Se a igreja fizesse diferença na sociedade poderia erguer a bandeira da justiça social, e com seus milhões de membros lutar a favor dos pobres, dos aposentados do INSS, dos sem-terra, dos sem-teto e dos injustiçados. Uma coisa são milhões de membros, outra bem diferente são milhões de discípulos fiéis.
E estes são poucos.
O que será da igreja? É preciso parar e refletir.