A carta de um amigo que conheci faz poucos meses serve de base para o que vou escrever. Ele também lerá este artigo e me entenderá. Sua frustração é a de que deixou anos atrás sua denominação porque sonhava com uma igreja perfeita, com a igreja restaurada, com o verdadeiro corpo de Cristo.
Lamento informar que este tem sido o sonho frustrado de muita gente. Eu também me frustrei, até que… Também em 1975 deixei minha denominação e comecei uma nova congregação – fui o primeiro neste país a começar uma comunidade cristã em Porto Alegre – porque sonhava com uma igreja diferente, em restauração, uma igreja sem rugas e manchas. Pronta para o Filho. E trabalhei e lutei por isso, cruzando o país de Sul a Norte, de Leste a Oeste. Onde havia dois ou três frustrados com a igreja que freqüentavam aí estava eu no meio deles iniciando uma nova comunidade.
Como um apóstolo dos novos tempos – sempre me recusei a usar este título – trabalhei por uma nova reforma, uma nova igreja, perfeita. E meu sonho se concretizou. Sim, porque percorri a trilha certa, persegui o sonho correto e os anos de meu vigor foram empregados a favor da igreja que tanto anelava.
Tudo começou em 1973 quando escrevi o livreto Para Onde Vai a Renovação? Escrevi o livreto para combater os rumos que a renovação estava tomando. Numa época em que os irmãos das denominações tradicionais estavam sendo renovados e batizados no Espírito Santo e que tiravam as placas de seus templos, jogavam os hinários fora (força de expressão, é claro) e partiam em busca do vinho novo, eu era um jovem, dinâmico, com novas idéias. A denominação não me entendeu nem eu a entendi. E nos separamos.
Hoje percebo que essa busca pela igreja perfeita faz parte de um ciclo histórico que se repete a cada quarenta anos, mais ou menos. Esse foi sempre o sonho de todos os pré-reformadores, passando pela Reforma, pelos Wesley, Whitefield, pelos moravianos (e por todos os Irmãos que se preservaram e se recusavam a fazer parte da igreja institucionalizada, nem que fosse a reformada. Você entenderá melhor quem foram os Irmãos lendo algo sobre a história da igreja em meu site).
E descubro pelos exemplos da história e pelos exemplos recentes que a igreja perfeita, santa, pura e restaurada existe – mas não conseguimos vê-la com olhos humanos, apenas com os de Cristo. O que quero dizer com isto? Explico. Nós os homens somos imperfeitos, e em algum momento nossa imperfeição contagia a pureza da igreja.
Hoje, décadas depois de haver saído à busca da igreja restaurada, de ter perdido todos os meus direitos – se é que temos algum, porque nossos direitos são os de Cristo, e me refiro a viver sem aposentadoria de igreja, sem projetos pessoais, sem sonhos pessoais, sem plano de saúde, mas lutando pelos direitos de Cristo – e passando célere pelos anos sessentas de minha vida, eis aí a igreja perfeita! Encontrei-a. Perfeita entre os imperfeitos. Gente sincera que não se contamina com o sistema, nem com o que seus líderes fazem e pensam!
Não me refiro a igreja que se vê, mas a que se não vê.
E pregando e ministrando em todas as denominações, mesmo naquelas que servem de chacota para os blogueiros de plantão, pregando entre os mais variados grupos, denominações, igrejas locais, igrejas históricas, como os luteranos e os episcopais; entre os neopentecostais, encontro o mesmo anelo: Todos querem ser igreja perfeita, e sonham com uma igreja restaurada.
Conheço grupos que saíram de suas denominações com o sonho de começar algo novo, e anos depois se veem no mesmo estado espiritual de onde saíram. Porque somos imperfeitos e não cuidaram de suas imperfeições.
E meu consolo está na visão que João teve no Apocalipse. Jesus é visto no meio da igreja. Estava no meio da igreja de Éfeso, por onde circulavam falsos apóstolos e que havia perdido seu primeiro amor. Estava na igreja de Esmirna, e no meio da igreja de Pérgamo onde alguns amavam o suborno, o dinheiro, o prêmio de Balaão. Estava em Tiatira e suportava uma tal de Jezabel e as prostituições do povo. Estava em Sardes onde poucos se mantiveram puros e limpos; estava em Filadélfia e em Laodicéia. Jesus é visto entre os perfeitos e os pecadores.
Os sete candeeiros de ouro são as igrejas, e João vê a Jesus “no meio dos candeeiros”. E assim, por onde ando procuro enxergar a igreja perfeita e restaurada. Se olho para as estruturas, para os sistemas eclesiásticos, para os modelos de crescimento, para o enriquecimento ilícito, para as injustiças sociais, fico frustrado, mas quando desvio meus olhos dessas coisas imperfeitas, no meio de Éfeso e de Pérgamo, vejo a Jesus! O mais simples e bíblico sistema de governo de igreja costuma refletir a imperfeição de seus líderes.
Isso não é uma desculpa para se contentar e se desculpar, dizendo: – de nada adianta trabalhar por uma igreja restaurada! Na realidade todos nós que anelamos uma igreja santa e que por ela lutamos a vida toda, contribuímos, de alguma forma para que essa igreja surja e brilhe no mundo. Não estou arrependido das igrejas/comunidades que comecei; elas estão cumprindo seu papel no ciclo da história; mas também não estou arrependido de voltar a ser um pastor denominacional, porque o ciclo da história me permite viver entre todos, anelando a igreja perfeita. Nos dias de Elias havia sete mil que não se dobraram a Baal, e ele achava que era o último remanescente fiel. Não quero ser um Elias: Quero enxergar os milhares que vivem no meio de um Israel corrupto, mas que nunca se dobraram a Baal.
Por isso, não estou frustrado, se é que você me imaginou assim. Ao contrário. Olhando para trás vejo que os anos de labuta em prol da verdadeira igreja fizeram o trabalho inverso: Ajudaram-me a amadurecer, purificaram-me dos meus conceitos e preconceitos – e como bati nas denominações! – libertaram-me de minhas idiossincrasias e me deram uma visão cósmica da igreja, que jamais eu teria se não tivesse lutado a favor dessa igreja, e se não tivesse perseguido o sonho da igreja perfeita.
O que estou afirmando é que o sonho de se perseguir uma igreja perfeita leva-nos à perfeição, a uma maior comunhão com o Filho, Jesus, e a um maior entendimento da verdadeira igreja. Assim, não me vejo impedido de pregar em lugar algum; porque se levar em conta o que é exterior, não pregarei nem na mais “santa” das igrejas sejam estas denominacionais ou meramente locais.
Portanto, sem me importar com a impureza dos líderes e dos homens, sei que onde eu estiver estarei entre os que se dedicam a ser igreja e que também nutrem o mesmo sonho. Na realidade é bom curtir e perseguir o sonho da igreja perfeita, porque ao fim de tudo nós é que somos aperfeiçoados em Cristo.