No período da pré-reforma destacamos, na Inglaterra a pessoa de John Wycliffe. Num cenário em que Roma exercia total domínio na Europa, Wycliffe era temido e, conseqüentemente perseguido pela igreja de Roma. É bom que o leitor tenha em mente que até a época da cisão da igreja Ocidental com a Oriental em 1054 quando a Igreja Ortodoxa se separou de Roma havia somente uma igreja católica, isto é, a igreja de Roma. E uma só igreja no mundo, a igreja católica, que quer dizer universal. Até que Humberto excomungou a Miguel Cerulário, patriarca ortodoxo de Constantinopla, e a igreja passou a ter dois centros de comando: Roma e Constantinopla. No restante da Europa prevaleceu até a época da Reforma Protestante apenas um governo, que era o de Roma sobre todas as igrejas, incluindo a igreja da Inglaterra. Os líderes religiosos que surgem a partir da cisão entre Roma e o Oriente são todos da igreja católica de Roma. É difícil ao leitor atual entender esta situação porque só a partir da reforma protestante é que a igreja foi se organizando em grupos denominacionais distintos.
É neste cenário de movimento profético (tema que trato em separado), que teria começado pelo ano 1100, que surgiu a figura de John Wycliffe cujos seguidores foram chamados de lolardos. Wycliffe ficou conhecido como a aurora da reforma na Inglaterra e doutor evangélico na Boêmia.
Na época de Wycliffe o cristianismo na Europa vivia uma convulsão espiritual e social, e os reis digladiavam-se em constantes guerras. John Wycliffe se levanta na Inglaterra acusando o clero de abuso espiritual e de autoritarismo.
Muitos foram os livros escritos sobre ele e o que se conhece a respeito de Wycliffe vem de seus seguidores, os lolardos.
O que mais se conhece dele procede dos relatos dos últimos doze anos de sua vida quando se envolveu em discussão com os políticos e com o clero inglês exigindo uma reforma na igreja.
A data mais provável de seu nascimento de acordo com o livro John Wycliffe and the Beginings of English Nonconformity (K.B.McFarlane, Londres 1952, p 14 – John Wycliffe e o início dos descontentes ingleses) teria sido em 1324 ou 1330 – os historiadores divergem quanto a data – de uma família que possuía terras próximo a Richmond em Yorkshire. Pouco se sabe dos anos anteriores ao seu aparecimento no cenário nacional, mas é certo que ele estava a par dos acontecimentos ao seu redor.
O domínio romano na Inglaterra era exercido pelo papado em Avignon (período em que o papado, exilado de Roma se instalou na França), através de muita burocracia. Nesta época os bispos e padres começaram a ocupar cargos de ministros de estado do governo civil, ocasião em que a terça parte dos bens do Estado estava nas mãos do clero que não pagavam taxas e impostos, o que levantou um grande sentimento anticlerical na Inglaterra. Um quinto da população era formada pela classe clerical, e os mosteiros e abadias passaram a ser grandes centros comerciais, negociando gado, ovelhas e envolvendo-se em todo o mercado da Inglaterra.
É possível que Wycliffe tenha entrado na universidade de Oxford aos quinze anos de idade em 1345 para estudar teologia, curso várias vezes interrompido devido a peste negra que assolou a Europa entre 1349 e 1353. Passando pelos vários estágios da universidade, Wycliffe se tornou professor, assumindo mais tarde uma cadeira na universidade de Oxford.
Em uma de suas obras, The Pastoral Office ele trata das responsabilidades e da fidelidade do ministro, a responsabilidade do pregador, como o “mais elevado serviço”, como se o próprio Cristo estivesse ocupado no ministério. A mesma autoridade que concede ao bispo a autoridade de celebrar os sacramentos, impulsiona-o a pregar a palavra de Deus, e, portanto, a pregação da palavra de Deus é um privilégio maior do que ministrar os sacramentos.
O pensamento de Wycliffe pode ser visto em uma de suas declarações: “O sacerdote deve viver uma vida santa, em oração, com o coração totalmente entregue a Deus, mantendo sadia conversação e ensinamento fiel, tendo sempre nos seus lábios os ensinamentos e o evangelho de Cristo. Que suas obras sejam tão justas que ninguém encontre base alguma para acusá-lo, e sua vida tão aberta quanto um livro. O exemplo de vida é mais eficaz que um milhão de sermões”. (In História da Igreja de Philip Schaff Vol 6 p 174).
Wycliffe, durante muitos anos foi o mais eminente professor – sem dúvida desde os tempos de Grosseteste – com o cargo de professor na universidade de Oxford. Ele costumava citar em seus sermões e em suas aulas os autores e pais da igreja latina, como Crisóstomo, Agostinho, Jerônimo e outros. Mas não era apenas um professor, também um patriota inglês.
Wycliffe ergueu sua voz contra o Papa que insistia em exercer domínio na Inglaterra, levantou-se contra o domínio agrário da igreja que possuía grandes propriedades rurais, e defendia que Roma deveria pagar imposto das propriedades que detinha na Inglaterra. Opunha-se fortemente contra o os bispos que mantinham cargos no governo, e quando o arcebispo Sudbury foi assassinado atribuiu o trágico acontecimento a um castigo de Deus por exercer o cargo de chanceler, quando deveria estar cuidando das coisas de Deus.
Seu ponto de vista sobre a função do governo civil e da igreja ficou registrado nos folhetos De dominio divino, De dominio civili e na obra Dialogus. Em Divine Lordship (Senhorio divino) ele discute os direitos de propriedade e o exercício de governo e trata da diferença entre soberania e mordomia. Senhorio não é propriamente manter domínio, mas exercer mordomia. Cristo não quis reinar como um governo com direitos absolutos, mas no compartilhamento com os demais. Por isso foi o mais perfeito dos servos.
Nesta mesma obra “Civil Lordship” (senhorio civil) ele declara que nenhum mortal tem direito de se proclamar senhor.
Todos os crentes são ao mesmo tempo senhores e servos. Foi a partir de seus escritos nesta área que Gregório XI escreveu seus artigos incriminando Wycliffe que mais tarde o levaria à condenação.
Além de professor e patriota, os historiadores falam de Wycliffe como excelente pregador. Wycliffe foi reconhecidamente um dos maiores pregadores da pré-reforma, pois 294 de seus sermões em inglês, e 224 em latim ficaram preservados na história. Devem ser lembrados seus sermões sobre a oração dominical, o sermão do Monte, os cânticos da Bíblia, os sete pecados capitais e outros temas, a maioria baseado no Novo Testamento. Eram pregações simples e diretas. Neles os papas e os prelados da época são acusados de mundanismo, de serem o anticristo e servos do diabo, por haverem se desviado da verdadeira mensagem de Cristo.
Além de professor, patriota e pregador, Wycliffe deixou um legado de grande reformador da igreja. No fim de sua vida Wycliffe teve de lidar contra as acusações que vinham de toda parte, afirmando ser ele um herege. Um de seus acusadores chegou a fazer uma lista de 303 heresias. O Concílio de Constança levantou acusações contra Wycliffe afirmando que ele afirmava que após a consagração a substância do pão e do vinho continuava a mesma e que Cristo não estava presente nos sacramentos. A pregação de Wycliffe era de que o papado deveria ser abolido e de que os padres deveriam tirar seu sustento do trabalho pessoal e não do dinheiro do povo. Afirmava ainda que a escolha do Papa pelos cardeais e as ordens religiosas eram invenção do Diabo, e pregava que a salvação poderia ser conseguida sem precisar crer na igreja de Roma como a mãe das igrejas.
Wycliffe tornou-se mais conhecido a partir de 366, por escrever dois tratados extensos sobre o senhorio de Cristo, em que apresenta a teoria da soberania sobre os assuntos temporais da igreja, numa época em que a igreja pregava que era ela o reino de Deus na terra detendo o direito de domínio sobre o destino das pessoas.
Convém observar que além de Wycliffe vários ilustres homens de Deus foram reconhecidos nos séculos 14 e 15 como pré-reformistas. Eles se anteciparam a Lutero duzentos anos antes da Reforma Protestante, cada um deles cumprindo sua missão: Wycliffe na Inglaterra, João Huss na Boêmia, Savanarola na França e outros, como Wessel e Goch no norte da Alemanha. Wycliffe e seus sucessores foram reformadores da doutrina. Ele é chamado de a Estrela Matutina da Reforma.
Wycliffe iniciou sua linda carreira de reformista depois de ser enviado pelo rei até a França para negociar a paz, na guerra que se estendia entre França e Inglaterra havia décadas. Logo de seu retorno começou a pregar em Oxford e em Londres como reformador, denunciando o poder e a soberania do Papa nos assuntos civis. Em cada lugar o professor de Oxford abria sua boca para denunciar os pecados da igreja. Publicou um panfleto chamando o bispo de Roma de anticristo, de orgulhoso e mundano e o denunciava como assaltante e ladrão. Wycliffe pregava que o Papa não tinha o poder de ligar e desligar mais que qualquer padre, e que os senhores feudais tinham o direito de confiscar as propriedades do clero se houvesse necessidade. Com isto o duque de Lancaster, inimigo ferrenho do clero começou um movimento para confiscar as propriedades eclesiásticas. Piers Ploughman era apoiado pela opinião pública que exclamava contra o clero: “Tire as terras da igreja, Senhor, e deixe-a viver apenas dos dízimos”, clamor que foi referendado pelo Parlamento inglês em 1376 numa proposta feita por Wycliffe.
Este reformador do século 14 não foi apenas professor e denunciador do sistema. Com o fim de contra-atacar a influência dos frades – que ele passou a denunciar depois de regressar da França onde foi negociar em Bruges a paz com os franceses – Wycliffe teve a idéia de formar equipes com evangelistas itinerantes que viajassem por todo o país pregando o evangelho. Estes “padres maltrapilhos” como ficaram conhecidos, eram leigos graduados de Oxford. Não se sabe o número de evangelistas que ele enviou a pregar. Mas o movimento de Wycliffe, que depois se associou a Gerrit de Groote na Alemanha – sobre o qual também escrevemos – é visto na história na mesma dimensão do movimento iniciado por João Wesley séculos depois, e do mais recente Exército da Salvação de Willian Booth.
Wycliffe não criou uma organização evangelística, no entanto seus evangelistas associados eram bem-recebidos por todo o país. Um cronista da época escreveu que eles viviam ao lado de Wycliffe, viajavam a pé e pregando os ensinamentos do mestre de Oxford. O grande perseguidor de Wycliffe, o bispo Courtenay denunciava-os como “pregadores itinerantes sem autorização da igreja, com ensinamentos errôneos, que pregavam suas heresias publicamente em praças, igrejas e lugares profanos sob a farsa de santidade, mas sem autorização episcopal ou papal”.
O bispo Courtenay foi um perseguidor atroz de Wycliffe e mais tarde dos lolardos, mas o pré-reformador jamais se intimidou diante das ameaças da igreja de Roma. Em 1381 compareceu novamente diante da corte para ser inquirido por suas declarações contrárias às práticas da igreja. Doze de suas teses reafirmavam que a igreja havia abandonado as escrituras e que conduzia erroneamente seus negócios. As autoridades de Oxford instituíram uma corte formada por 12 mestres para tratar da questão da Eucaristia, e sem sequer mencionar o nome de Wycliffe, condenaram os que declaravam que afirmavam que o pão e o vinho continuavam a ser pão e vinho depois de consagrados, e de que o corpo de Cristo se faz presente apenas figuradamente na eucaristia. Wycliffe, apesar de tudo, continuou a pregar e a lecionar na universidade, mas quando apelou para o concílio real o duque de Lancaster posicionou-se contra ele e o proibiu de falar sobre a questão da ceia do Senhor na universidade de Oxford. Ele então declarou: “Creio que no fim a verdade prevalecerá”.
Neste mesmo ano em que Wycliffe foi julgado tendo que deixar suas atividades em Oxford rompeu na Inglaterra a Revolta dos Camponeses (Peasant’s Rising 1377-1381). Alguns historiadores acreditam que os ensinamentos de Wycliffe serviram de semente para brotar na Inglaterra a revolta dos campesinos, que algum tempo depois poria fim aos grandes feudos medievais e a escravidão no campo. Ele teria escrito: “Não existe obrigação moral de se pagar impostos ou dízimos a maus governantes sejam da igreja ou do Estado. É possível puni-los ou depô-los reivindicando as riquezas que o clero tirou do povo”. Os seguidores de Wycliffe levaram a culpa pela insurreição dos campesinos.
Cento e cinqüenta anos depois da morte de Wycliffe, Tyndale afirmou: “Disseram, nos dias de Wycliffe, e continuam os hipócritas a afirmar novamente que a palavra de Deus é culpada das insurreições”(In Philip Schaff, prefácio à exposição de João, Parker Society p 225).
Comentando a perseguição sofrida por Wycliffe e seus seguidores que foram considerados culpados pela revolta dos camponeses, Broadman diz: “Mesmo sendo injusto culpá-los de liderarem a revolta, existe uma questão que não se pode negar, pois o verdadeiro cristianismo está intimamente ligado com Cristo Jesus e a libertação dos oprimidos.
Cristo declarou que ele veio para pregar o evangelho aos pobres, proclamar libertação aos cativos, dar vista aos cegos e para pôr em liberdade os oprimidos” (Lc 4.18). Este texto descreve a questão social dos trabalhadores da época que ao tomarem conhecimento das Escrituras descobriram que Deus não faz acepção de pessoas (At 10.34) e que a escravidão a que estavam submetidos sob a tutela de líderes que viviam na luxúria era injusta. Os sermões de Wycliffe gerados nas salas da universidade de Oxford não tinham tanto apelo quanto as pregações de seu contemporâneo João Ball que clamava do meio da miséria em que viviam: “Que direito têm estas pessoas de afirmar serem maiores que nós? Em que base eles são maiores? Se todos procedemos do mesmo pai e mãe, de Adão e Eva, como podem dizer e afirmar que são melhores que nós a não ser pelo fato de que nos escravizam pelo trabalho para poder garantir sua vida de orgulho?” (E.H. Broadbent, The Pilgrim Church, p 121).
O Bispo Courtenay não desistia de persegui-lo, e logo que foi elevado ao cargo de supervisor de Canterbury, convocou, em 1382 um sínodo que ficou conhecido na Inglaterra como o “Sínodo do Terremoto”, porque a terra tremeu enquanto estavam reunidos. O primaz tinha o apoio de nove bispos, e logo que a terra tremeu Courtenay interpretou o episódio como um sinal positivo a seu favor. A terra tremeu, disse ele, em apoio aos prelados. Wycliffe que não estava presente no momento do terremoto interpretou de maneira diferente. “Foi a heresia dos frades com respeito aos sacramentos que fez a terra tremer, da mesma maneira que tremeu no dia da morte de Cristo” (In Schaff, Select English Works Vol III p 503).
O concílio condenou 24 artigos de Wycliffe, 10 dos quais foram considerados hereges, e os demais por contradizerem as normas de fé da igreja. Os quatro temas principais condenados no concílio foram as declarações de Wycliffe de que Cristo não está presente nos sacramentos – na ceia do Senhor – que não há necessidade de se confessar como forma de se preparar para a morte; de que após a morte do Papa Urbano VI a igreja inglesa não deveria ter papas, mas, como os gregos, governar a si mesma, e que a Escritura condena a propriedade de bens temporais. Como resultado Wycliffe foi proibido de exercer suas funções em Oxford.
Com as modificações políticas na universidade de Oxford, Wycliffe perdeu todo apoio, não pôde mais pregar, teve seus escritos confiscados, tendo que se retirar para a reitoria em Lutterworth onde continuou seu trabalho de tradução da Bíblia do latim para o inglês. Do exílio forçado publicou o polêmico livreto Cruciata, em que condenava a cruzada na qual o bispo de Norwich, Henry de Spenser preparava em apoio ao Papa Urbano VI contra o outro papa que governava em Avignon, Clemente VII. Para poder pagar este empreendimento o Papa Urbano prometeu indulgência plena durante um ano a todos os que entrassem para o exército de sua cruzada. Missas foram realizadas e grandes somas em dinheiro arrecadadas para a guerra de papas. Foi concedido pleno perdão aos mortos e aos vivos. Wycliffe condenou tal iniciativa da igreja da Inglaterra como mundana, e declarou que a indulgência era “a abominação dos lugares santos”. Foi durante este tempo de confinamento obrigatório que Wycliffe escreveu sua obra teológica Triálogo em que deixa claro o princípio de que, sempre que a Bíblia e a Igreja não concordam, devemos obedecer a Bíblia, e sempre que a consciência e a autoridade humana entrarem em conflito, devemos obedecer a consciência.
Dois anos antes de sua morte Wycliffe teve um derrame que o deixou paralítico, ao que parece por haver recebido uma intimação para comparecer perante o Papa. Com coragem e convicção respondeu ao supremo pontífice que ele, dentre todos os homens tinha o dever de se submeter às leis de Cristo; que Cristo era para todos e especialmente para os pobres e que ele, Wycliffe não se submetia a autoridades humanas. Nenhuma pessoa deveria seguir a Pedro ou Paulo ou a qualquer santo a menos que estes fossem imitadores de Cristo. Assegurou ao Papa que se estivesse errado ao pensar desta forma, estava disposto a se arrepender e a enfrentar a morte. Enquanto realizava o culto em sua igreja teve uma nova paralisia e morreu três dias depois em 29 de dezembro de 1384.
Pode-se ter uma idéia da relevância de Wycliffe para a época através de seus perseguidores. Wycliffe, o homem que trabalhou arduamente para que as Escrituras fossem lidas em inglês pelo povo era tido como herege e desordeiro. O cronista de St. Albans expressou o que pensava a hierarquia da igreja a respeito do reformador: “Na festa da paixão de Sto. Tomás de Canterbury, João de Wycliffe, este instrumento do diabo, o inimigo da igreja, autor da confusão entre o povo comum, a imagem dos hipócritas, o ídolo dos heréticos, o provocador de divisões, o semeador de ódio, o mentiroso, sendo ferido com o julgamento divino, foi deixado paralisado e continuou a viver até o dia de São Silvestre quando entregou seu espírito de maldade para habitar nas trevas” (Schaff, Vol VI p 171).
Mesmo depois de morto Wycliffe não foi deixado em paz. O Bispo Arundel decretou que fosse confiscado e queimado tudo o que Wycliffe escreveu, e nenhuma de suas obras voltou a ser impressa. O decreto Lateran de fevereiro de 1413 ordenava que todos os seus livros fossem queimados e o Concílio de Constança condenou formalmente que qualquer memória de Wycliffe fosse apagada da face da terra e que seus ossos exumados do sepulcro onde descansavam fosse lançados bem distantes da igreja. O decreto dizia: “O santo sínodo declara que John Wycliffe foi um herege de renome e o excomunga condenando que sua memória seja tida como de alguém que se tornou um obstinado herege” (In Mansi XXVIII p 635 Philip Schaff Vol. VI p 171).
As palavras de Fuller descrevendo o cumprimento do decreto de Constância ficaram gravadas nas páginas da história da Inglaterra: “Queimaram seus ossos e lançaram as cinzas no Swift, um ribeirinho das proximidades, que levou suas cinzas ao Avon, e o Avon ao Severn, e o Severn aos mares estreitos e estes para o grande oceano. Assim, as cinzas de Wycliffe são emblemas de sua doutrina que agora se espalham pelo mundo todo”.
Anos depois muita polêmica foi levantada a questão se Wycliffe fez ou não uma tradução da Bíblia em inglês. E não se faz necessário aqui entrar na polêmica apresentando os argumentos prós e contra. Vale destacar, no entanto, que várias pessoas foram perseguidas e mortas por possuírem uma cópia da Bíblia de Wycliffe e o testemunho dado anos depois por John Huss, em Praga, de possuir uma Bíblia traduzida do latim para o inglês por este pré-reformador. Uma acusação e defesa de Wycliffe pode ser encontradas na História da Igreja de Philip Schaff, Volume VI à p 183.
John Wycliffe serviu com alegria o povo inglês autenticando a marca de sua personalidade na defesa da autoridade das Escrituras sobre todas as coisas. Ele defendia a supremacia da autoridade da Bíblia para leigos e clero, afirmando que a Bíblia deveria ser traduzida em todos os idiomas do mundo. Declarava que a Bíblia era o manual da salvação, insistindo que se devia dar atenção ao seu sentido literal. Em seu tratado sobre o valor das Escrituras com mais de mil páginas impressas ele afirmava que a Bíblia tinha que ser levada em conta mais que a opinião dos teólogos medievais.
Para Wycliffe as Escrituras eram a lei de Cristo, a lei de Deus, a Palavra de Deus, o Livro da Vida; a imaculada lei do Senhor, verdadeira, completa e perfeita. Tudo de que se precisa para a salvação nela está contida. É o livro que todo cristão verdadeiro deveria estudar. É a medida e padrão de toda lógica. Ele dizia: “A lógica em Oxford muda com freqüência, praticamente a cada vinte anos, mas as Escrituras nunca mudam. São eternas. Toda lógica, filosofia, leis e éticas estão nelas contidas”. Wycliffe confessou que várias vezes se deixou levar pela lógica pensando em ser famoso e em ganhar fortuna, mas agradecia a Deus que havia se convertido e aceitado as Escrituras como fonte de toda lógica.
Os lolardos
A maior parte do que se sabe da vida e dos ensinamentos de Wycliffe chegaram até nós através de seus seguidores, conhecidos como Lolardos. Estes se tornaram uma séria ameaça à igreja institucionalizada. Seguindo os ensinamentos de Wycliffe, eles criam que o cristianismo deveria ser fiel às Escrituras e que toda pessoa deveria ter acesso à Bíblia Sagrada, interpretando-a por si mesmo, isto numa época em que a igreja reclamava ter o direito exclusivo da autoridade bíblica, e a sociedade tinha de obedecer ao que a igreja decidia. Foram os lolardos que fixaram as teses de Wycliffe na catedral de Westminster em 1395 conhecidas como a “quinta conclusão” criticando o uso da água, do sal e dos incensos na missa.
Wycliffe pregava a separação entre a igreja e o Estado ensinando que o clero deveria viver separadamente da sociedade civil, não se intrometendo nos assuntos do governo, concentrando suas energias apenas nos valores espirituais, pois estavam tão ocupados com as atividades governamentais que haviam se esquecido de suas obrigações espirituais. Seus seguidores, os lolardos exigiam que o clero vivesse de prebendas e que tirasse seu sustento de seu próprio trabalho e não do trabalho dos demais. Essas e outras questões levaram os lolardos a influenciar substancialmente a Inglaterra nos cinqüenta anos seguintes após a morte de Wycliffe.
Os ensinamentos de Wycliffe e dos lolardos foram condenados pela igreja em 1384, o que não inibiu o crescimento do grupo até 1431. Eles exigiam uma volta da igreja à verdadeira fé, à simplicidade e a autonomia da igreja.
A predestinação e o senhorio de Cristo foram os dois temas fortes pregados por Wycliffe e mantidos pelos lolardos, estes, inclusive, divulgavam a idéia de que os mosteiros deveriam ser fechados e o clero eliminado para que a igreja voltasse aos princípios do Novo Testamento. Os ensinamentos de Wycliffe tiveram o suporte teológico de Westminster ganhando apoio popular, especialmente o tema da predestinação, pois era um período em que a igreja de Roma dava excessiva ênfase à salvação pelas obras de caridade. O clero se empenhava a que as pessoas encontrassem a graça através dos sacramentos, da eucaristia e da confissão auricular a fim de serem salvas. A pregação de que somente os predestinados seriam salvos batia fortemente contra a crença de que a salvação era conseguida pelas boas-obras. Já no século XV os lolardos passaram a agir separadamente da igreja preparando o terreno para a reforma Protestante.
Wycliffe também pregava contra a doutrina da transubstanciação, a crença católico-romana de que na eucaristia pão e vinho se transformam literalmente no corpo de Cristo, e este seu posicionamento doutrinário levou-o a perder bastante apoio ao redor de 1382, especialmente das classes abastadas. A igreja da Inglaterra até que suportava as críticas de Wycliffe e de seus seguidores ao seu estilo de vida, mas não aceitava a negação da doutrina da transubstanciação, doutrina da igreja instituída no ano 850 no concílio de Paiva, juntamente com a decisão de que o rosário e a coroa da virgem Maria são também eficazes na salvação do homem.
Os lolardos ensinavam que o sacerdote deveria ser “verdadeiramente” um sacerdote, e defendiam o ensinamento de que qualquer pessoa piedosa tinha autoridade para dar a ceia sem o necessário apoio da igreja romana. Eles enfatizavam a autoridade exclusiva das Escrituras sobre bispos e padres, pregavam pobreza apostólica e a taxação das propriedades religiosas. Fundamentalmente criam que a igreja católica era corrupta, e saíram em busca da verdadeira igreja. Decididamente contribuíram para espalhar a Bíblia na linguagem do povo.
Para a igreja romana, os lolardos ficaram ainda mais perigosos quando receberam apoio da realeza que também foi atraída pela doutrina que ensinavam. Receberam apoio de Sir Thomas Latimer, e de Sir John Montague que adotaram os ensinamentos de Wycliffe como parte de sua política de governo. Entre 1384 e 1396 escritos lolardicos conhecidos como Florentum circularam livremente na Inglaterra, bem como traduções da Bíblia, e isto só se tornou possível graças a generosas ofertas dos nobres ingleses.
A igreja romana começou a fazer pressão sobre o governo da Inglaterra porque os leigos começaram a ler a Bíblia popularizando as idéias de Wycliffe, daí o expurgo ocorrido na universidade de Oxford em 1382. A perseguição aos lolardos aumentou significativamente e a igreja passou a declarar como herética a maioria dos ensinamentos de Wycliffe. Com o expurgo feito na universidade os lolardos se espalharam por toda parte pregando o evangelho de Jesus Cristo.
Dois arcebispos de Canterbury, Courtenay e Thomas Arundel ficaram conhecidos como os maiores perseguidores dos lolardos, caçando-os por toda a Inglaterra, especialmente empenhados na caça aos pregadores leigos. Um dos grandes pregadores daquele tempo perseguido pelos bispos foi Swinderby, citado por McFarlane “como um dos maiores evangelistas lolardos”. Swinderby traduziu para a linguagem popular os ensinamentos de Wycliffe e percorreu vilas e cidades, como pregador leigo, celebrando missas e cerimônias, mesmo tendo contra ele um mandato de prisão expedido em 1388. Depois de ser julgado em Bodenham, Swinderby saiu de circulação e retirou-se para seu esconderijo, protegido pelos escoceses que viviam nas montanhas. Foi ele quem levou à conversão um nobre inglês, John Oldcastle, sobre quem leremos mais adiante (Alguns historiadores, como Fox especulam que Swinderby foi queimado como herege sob o governo de Henry IV, mas outro historiador, Mcfarlane não confirma este acontecimento – In The Morning Star, p 61). Vilas e cidades passaram a aderir aos ensinamentos dos lolardos, mas Courtenay e Arundel os perseguiam por toda parte. Um dos exemplos foi em Leicester onde a obra continuou a florescer mesmo depois da partida de Swinderby. O bispo Courtenay esteve na cidade em 1389 e os lolardos tiveram que fugir, especialmente depois que oito deles foram excomungados pelo bispo. E excomunhão significava desterro, perseguição e morte. Significava não ter onde comprar alimentos nem mesmo onde dormir.
A ordem dos dominicanos – agora totalmente desviada de seu propósito original – posicionou-se contra os lolardos e pressionou o Papa Bonifácio IX a escrever ao rei Ricardo expressando sua preocupação dos perigos que os lolardos representavam. Os seguidores de Wycliffe que ainda estavam na universidade de Oxford foram presos e logo depois foi expedido um estatuto, conhecido como De Herético Comburendo condenando severamente os lolardos. O documento de 1401 apresentava uma estratégia de como combater a heresia na Inglaterra.
Convém lembrar que nesta época a igreja da Inglaterra não se submetia totalmente ao Papa e até desconhecia a inquisição papal, em que as pessoas consideradas heréticas eram torturadas em aparelhagens inventadas para levar ao suplício e à confissão, no qual os dominicamos eram especializados. Os dominicanos perseguiam os lolardos e os hereges por toda a Europa, especialmente na França e na Itália, diferentemente dos franciscanos que indiretamente apoiavam o movimento dos lolardos. As penas na Inglaterra eram mais brandas que em outras partes da Europa.
Quando algum material de Wycliffe era encontrado, os acusados eram interrogados e levados a renunciar aos ensinamentos. Caso recusassem eram aprisionados em cadeias civis ou nos porões das igrejas, e em casos extremos eram queimados na fogueira.
Em 1384 as autoridades expediram ordens de prender os seguidores de Wycliffe, e a partir de 1401 quem possuísse escritos dele deveria ser preso e o material confiscado. Os que recusavam eram mortos em estacas na fogueira. A partir desta época os lolardos passaram a agir na clandestinidade.
O bispo Arundel era incansável na perseguição aos lolardos e conseguiu o apoio do novo rei Henry de Lancaster quando este subiu ao poder em 1399. O novo rei não temia apenas o bispo, mas também os lolardos com sua pregação de reforma social e política. Sempre que o evangelho é pregado de maneira íntegra, vai de encontro a qualquer opressão social, e os lolardos combatiam severamente a burguesia católica.
Para remediar a questão, o rei Henry de Lancaster e o parlamento inglês trataram de legislar sobre a questão em 1400. O ato falava a respeito do perigo que os lolardos representavam para a estabilidade social e estabeleceu uma série de medidas para remediar a questão. Todos os leigos tiveram sua licença de pregadores canceladas, e “ninguém devia pregar, ensinar ou instruir aberta ou privativamente, imprimir ou escrever livros contrários à fé católica ou falar contra qualquer determinação da Santa Igreja. Os lolardos foram proibidos de tentar convencer (fazer convertidos) e de lecionar nas escolas”. (In The progress of Lollardy, G.H.W.Parker, The Morning Star, p 63). A publicação desta lei colocava sob suspeita todos os seguidores de Wycliffe, pois mandatos posteriores exigiam que todos os que possuíssem livros considerados hereges deveriam entregá-los, e as pessoas que se recusassem a obedecer, colocadas na prisão ou julgadas pelas cortes civis. Quem se recusasse a negar os ensinamentos dos lolardos deveria ser considerado herético e queimado na fogueira. Desta maneira, os velhos métodos usados pela igreja nos países europeus para perseguir e matar passaram a ser usados também na Inglaterra, e os lolardos foram as maiores vítimas.
Com a promulgação de tais leis, os lolardos além de serem perseguidos pelas autoridades da igreja, passaram a ter em seu encalço as autoridades civis, desencadeando uma grande perseguição contra os opositores da igreja no século XV.
Os lolardos, seguidores de Wycliffe foram severamente perseguidos sob rígida inquisição dos bispos e pelo parlamento inglês. Por todo os anos do século XV – a partir de 1400 em diante – a Inglaterra foi banhada pelo sangue dos mártires, e centenas de fogueiras eram acesas para queimar os que a igreja católica considerava “hereges”. Thomas Arundel, o bispo, os perseguiu por toda parte e o Bispo da Noruega Henry Spenser declarou morte por decapitação e fogueira a qualquer lolardo que fosse encontrado sob seu domínio religioso. Devido a tais ameaças, muitos dos seguidores de Wycliffe desistiram de suas idéias, tal a força da hierarquia católica no mundo da época. Os grilhões de Roma atacavam, prendiam e levavam à fogueira os pré-reformistas.
De 1390 a 1425 de cada dois homens que se viam caminhando pelas estradas, um deles, podia-se afirmar era lolardo. Em 1401 o Parlamento inglês declarou os Lolardos como hereges autorizando que fossem presos e queimados. O estatuto se referia aos Lolardos como uma nova seita, e os proibia de pregar o Evangelho, de manter escolas e conventos e de publicar qualquer livro. Os Lolardos deveriam ser presos e julgados nas cortes diocesanas, e caso fossem declarados culpados, deveriam ser entregues às autoridades civis para serem queimados, em lugar visível, bem alto, para que a punição servisse de exemplo a todos os que os vissem.
No ano de 1401, incansável no trabalho de erradicar os lolardos, o Bispo Thomas Arundel perseguiu e levou à morte na fogueira Willian Sawtre, capelão que se negou a abandonar os ensinamentos de Wycliffe. Foi morto para servir de exemplo a todo religioso que não se submetesse às leis da Santa Igreja. Apesar da ameaça da igreja, outro mártir, John Baldby, um alfaiate, continuou a tarefa de seus antecessores pregando a reforma, mas foi condenado como herege e queimado na fogueira em 1410. O príncipe Filipe, amigo de Baldby pedia que este renunciasse à sua crença para não ser morto, “mas, durante o interrogatório Baldby defendeu sua fé na Escritura e em Cristo, e sua convicção e disposição de morrer por amor a Cristo causou espanto e admiração até mesmo dos que o perseguiam” (obra citada p 64).
John Huss e os lolardos
Estudantes que vinham da Boêmia para estudar em Oxford foram fortemente influenciados pelos ensinamentos deixados por Wycliffe e tomaram conhecimento dos lolardos, pois apesar da perseguição alguns ousavam ensinar abertamente contrariando os editos de Thomas Arundel. A partir de Oxford, os ensinamentos de Wycliffe atravessaram as fronteiras e fizeram outro mártir em Praga, João Huss, sobre quem escreveremos à parte. O diretor da universidade de Oxford Willian Taylor dispôs-se a divulgar as idéias dos lolardos na Catedral de St. Cross em 1406. Quem mais trabalhou neste sentido, no entanto foi um jovem de nome Peter Payne que estudava em Oxford desde o início do século e tornou-se seguidor das idéias de Wycliffe. Parece ter sido ele que, em 1406 enviou escritos de Wycliffe em nome da universidade de Oxford para a universidade de Praga como sendo um documento oficial. De boa fé o documento foi recebido em Praga e usado por João Huss para defender os ensinamentos de Wycliffe, o que levantou suspeitas do bispo Arundel que convocou uma reunião em Oxford em 1407 (G.H.W. Parker em seu livro The Morning Star Paternoster, Inglaterra p 65).
Como águas que correm nos subterrâneos para depois emergir formando novamente o leito do rio, assim foram os ensinamentos de Wycliffe. Eram tão fortes na Inglaterra que em 1394 eles apresentaram uma petição ao Parlamento contendo as Doze Conclusões. Nelas, expunham que a Igreja Romana era a madrasta da igreja da Inglaterra, que muitos padres ordenados pela igreja não haviam sido ordenados por Deus; condenaram as peregrinações, a missa, a transubstanciação, as imagens, o uso de cruzes, o incenso, a confissão e as indulgências inventadas para o enriquecimento do clero. Para eles a igreja católica se corrompera lidando com assuntos temporais, e sem autoridade de argumentar que era a verdadeira herdeira da fé apostólica. Parte da corrupção consistia em se fazer orações pelos mortos. Os lolardos criam no sacerdócio de todos os santos e desafiavam a igreja a provar que tinha autoridade de nomear um sacerdote. As Doze Conclusões denunciavam ainda a guerra, o aborto e a pena de morte.
Apesar de perseguidos, os cristãos mantiveram-se firmes na fé e contribuíram grandemente para a reforma que viria mais de um século depois.
John Oldcastle
Entre os lolardos destaca-se a nobre figura de Sir John Oldcastle. Conforme a história, Oldcastle era um jovem soldado de família abastada da Inglaterra que acatou a mensagem do evangelho pregado por Swinderby, um dos lolardos, convertendo-se a Cristo. Para não ser perseguido e morto, ainda que rejeitando o ensinamento católico e as imposições do Papa permaneceu católico.
Nascido de uma família nobre de Herefordshire em 1378, desde jovem John Oldcastle serviu fielmente a Inglaterra e ao rei Henrique IV. Depois de casado recebeu o título de Barão com o codinome de Lord Cobham e passou a possuir terras por toda a Inglaterra. Tornou-se um dos líderes do movimento dos lolardos. Ao redor de 1410 o Bispo Arundel começou a suspeitar de suas idéias religiosas e tentou dissuadi-lo a abandonar seus pontos de vistas. Oldcastle, no entanto, tinha grande favorecimento do rei por haver servido com distinção na França e mantinha muita expectativa com a subida ao trono do Príncipe Henrique eu seria elevado ao trono em 1413.
Seu castelo em Cowling era um refúgio para os pregadores itinerantes, para os Irmãos que peregrinavam pela Inglaterra, refúgio para os que eram perseguidos pela igreja, e também servia como local de reuniões, apesar destas serem proibidas sob severas penas. O rei Henrique IV, seu amigo, não interferia em sua vida, mas logo que seu filho, Henrique V assumiu o trono, o novo rei atacou o castelo e aprisionou a John Oldcastle. Oldcastle fugiu da Torre onde era mantido preso e passou a se esconder de cidade em cidade, evitando ser preso ou denunciado pelos espiões a serviço do clero. No entanto, na mesma época muitos foram presos, torturados e mortos, incluindo trinta e nove líderes lolardos.
Sir John Oldcastle, o nobre inglês que apoiava o movimento da reforma dos seguidores de Wycliffe precisou comparecer perante o Bispo Arundal, e em momento algum abandonou suas idéias, mesmo sabendo da morte que o esperava. “O Papa – dizia Oldcastle – não tinha autoridade para decidir temas como a transubstanciação; o Papa era a cabeça do anticristo e os monges e frades formavam a cauda. Ele insistia que a eucaristia era “Cristo em forma de pão”. (The Morning Star p 65).
Depois John Oldcastle foi capturado em Gales e queimado na fogueira, sendo o primeiro nobre inglês a ser morto por sua fé (Broadman, E.H. Pilgrim Church p 122). Esses valorosos cristãos eram despojados de suas terras e mortos pela igreja institucionalizada.
Por que morrer? Para defender a fé. A igreja havia se corrompido e o Papa e os bispos, especialmente nesta época o Bispo Arundal, perseguiam os Irmãos por toda Inglaterra e pela Europa.
O movimento dos Irmãos, com os lolardos preparou o terreno para a grande cisão que haveria de acontecer com Lutero na Alemanha anos depois. Lutero, com o apoio dos feudos e dos reis da época quebrou a coluna vertebral do domínio romano, mas não livrou os “Irmãos” de continuarem sendo perseguidos por toda a Europa, agora pelos seguidores do reformador Lutero como veremos noutro episódio.
O movimento iniciado por Wycliffe nunca se transformou em organização, mas os resultados na Inglaterra se fizeram sentir por mais de um século por seus seguidores, os lolardos, ou wiclifistas. Dez anos depois da morte de Wycliffe, uma bula assinada pelo Papa Bonifácio IX em 1396 condenava os Lolardos ou Pedintes dos países baixos.
E os Lolardos, sem dúvida alguma, representam a semente dos mártires que corajosamente acenderam a chama da Reforma da Igreja.
O sentido de Lolardos.
O termo Lolardo apareceu na Inglaterra vindo da Holanda e da região de Colônia. Como falamos, muitos discutem a origem do nome Lolardo e também do termo huguenotes. Os historiadores abandonaram a idéia de que o nome teria surgido a partir do holandês Walter Lollard que foi queimado em Colônia em 1322.
A etimologia da palavra Lolardo sempre foi objeto de especulação. Alguns achavam que a palavra deriva do alemão lollen (cantar), referindo-se aos lolardos que entoavam cânticos nos funerais. Outros afirmam que provinha do latim lolium (erva daninha), uma alusão à parábola do joio. Considerando, no entanto, que os lolardos criam que podia haver “verdadeiros crentes” fora da estrutura da igreja romana, o nome poderia ser uma paródia às suas crenças. No entanto, na parábola do joio a erva daninha não é “lolium”, mas “zizania”. Assim, é bem possível que derive da palavra alemã que significa “pranteadores”, numa referência às orações de lamentações que eles faziam publicamente.
Nota: Este material pode ser usado, dando-se o devido crédito ao escritor João A. de Souza Filho.